Nova líder do SPD usa súplicas e provocação para atrair eleitores alemães

Andrea Nahles tenta convencer os filiados ao partido a aprovarem coalizão com Merkel

Berlim | Financial Times

Andrea Nahles levou apenas sete minutos para tomar conta do Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha.

O momento aconteceu na metade da última conferência do SPD, quando a líder dos deputados do partido se levantou para fazer o que Martin Schulz, o líder da sigla, não tinha conseguido: convencer 600 delegados de que não havia alternativa à formação de uma grande coalizão com o bloco conservador de Angela Merkel, por mais impopular que possa ser essa aliança.

Rouca e com a expressão tensa, Nahles argumentou, implorou, zombou e derramou insultos em um discurso improvisado que levou o voto a mudar em favor da coalizão. “Sem ela, não teríamos conseguido”, disse Niels Annen, deputado do SPD de Hamburgo. “O discurso dela mudou tudo.”

Mulher fala em frente a um púlpito
A nova líder do SPD Andrea Nahles durante discurso no Parlamento alemão - John MacDougall - 22.fev.2018/AFP

Martin Schulz renunciou à liderança do SPD algumas semanas mais tarde, deixando Nahles no comando de um partido traumatizado por meses de caos e brigas internas, além de duas décadas de declínio eleitoral. Desde então ela está percorrendo a Alemanha de uma ponta a outra, procurando persuadir os 460 mil membros do SPD a apoiar um acordo provisório de coalizão em um referendo partidário interno.

O resultado, que será conhecido neste domingo, será decisivo para o país e para o partido. Se o SPD optar pelo rumo que ela defende, Nahles será elogiada por ter ajudado a romper o impasse político e poupado seu partido de uma difícil eleição antecipada. Se os membros rejeitarem sua orientação e a grande coalizão, a Alemanha vai se dirigir a novas eleições –e o SPD enfrentará uma potencial derrota monumental nas urnas, considerando que pesquisas de opinião recentes lhe dão menos de 20% dos votos.

Fontes do SPD dizem que a combativa Nahles está mais bem posicionada que a maioria para levar seu partido a efetuar a mudança. Filha de um pedreiro, a política de 47 anos é filiada ao SPD desde a adolescência, quando criou uma representação local da ala jovem do partido, a Jungsozialistein, ou Jusos, em seu vilarejo da região de Eifel, na fronteira ocidental da Alemanha. Mais tarde ela liderou a Jusos ao nível nacional, impondo-se em um movimento notório por suas diversas facções.

No passado uma das representantes da ala esquerda do SPD, Nahles vem se deslocando constantemente para o centro. Como ministra do Trabalho no último governo de coalizão, ela conseguiu que fossem aprovados o primeiro salário mínimo da Alemanha e aumentos generosos das aposentadorias, ganhando aplausos de aliados e adversários políticos. Consta que Angela Merkel se dá bem com Nahles. Horst Seehofer, líder da arqui-conservadora União Social-Cristã, a elogiou, dizendo que é “uma muito boa ministra”.

“Já em sua época na Jusos, Andrea Nahles era alguém que procurava unificar as diferentes alas do movimento”, disse Benjamin Mikfeld, que assumiu o lugar de Nahles como líder da Jusos e hoje é chefe de políticas públicas do Ministério do Trabalho alemão. “Ela era uma mediadora. E é esse o papel que está representando agora no SPD.”

Fora do partido, porém, Nahles não é conhecida tanto como mediadora astuta quanto como oradora provocante e às vezes pouco cortês, que costuma interromper ou falar mais alto até mesmo que colegas e rivais com quem já colaborou. Ela já chegou a descrever outros ministros como “estúpidos”.

Para seus defensores no partido, seu estilo idiossincrático é sinal de uma qualidade política rara: a autenticidade. “Os eleitores não gostam do jeito de falar dos políticos. Eles não os ouvem. É por isso que o modo de falar de Nahle é uma coisa tão positiva”, disse Niels Annen. “Andrea é uma pessoa que conserva seu estilo original, sem medir as palavras.”

Se sua nomeação for confirmada em um congresso do partido em abril, Nahles será a primeira mulher a comandar o SPD nos 154 anos de história do partido. Ela não fará parte do gabinete, mas exercerá grande poder como chefe do partido e também sua líder no Parlamento. Olaf Scholz, do SPD, prefeito de Hamburgo e aliado de longa data de Nahles, é visto como possível futuro ministro das Finanças e vice-chanceler. Andrea Nahles poderá concentrar-se em garantir que o SPD conserve seu perfil próprio, apesar de integrar uma grande coalizão com Merkel.

As pessoas que conhecem Nahles bem a descrevem como acessível e cordial. Ela ainda vive no vilarejo de Weiler, onde nasceu, com sua filha de 7 anos. Católica devota, Nahles comparece regularmente à missa no vilarejo.

“Andrea Nahles sempre conservou os pés no chão. Ela cresceu aqui e pode voltar para cá sempre que quiser”, diz Hermann-Josef Thelen, o prefeito de Weiler. “Ela às vezes é um pouco irreverente, mas sempre fala o que pensa. E é bastante impulsiva.”

Nahles já deixou claro que pretende liderar o SPD, quer seus membros apoiem o acordo de coalizão ou não. Ela sabe que herdou uma situação difícil: algumas pesquisas de opinião recentes sugerem que o partido tem menos apoio que a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita. E os índices de apoio da própria Nahles tampouco são espetaculares. Uma pesquisa do canal RTL esta semana constatou que apenas 14% dos eleitores alemães a escolheriam como chanceler, contra 48% que optariam por Merkel.

Nahles já mostrou no passado que sabe fazer política pensando no longo prazo. Três décadas atrás, o anuário de seu colégio pediu aos estudantes que identificassem suas metas profissionais. Com um misto habitual de ambição enorme e pragmatismo próprio de Eifel, Nahles escreveu: “Dona de casa ou chanceler”.

Tradução de Clara Allain

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