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Palavras duras indicam gravidade de crise, que soa como música para Putin

Presidente ganha reforço de imagem interna na reta final da campanha eleitoral russa

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O presidente russo Vladimir Putin inspeciona estrada na região da Crimeia nesta quarta-feira (14)
O presidente russo Vladimir Putin inspeciona estrada na região da Crimeia nesta quarta-feira (14) - REUTERS
Moscou

Pode parecer algo contraintuitivo, mas a metralhadora verbal de Theresa May soa como música para o Kremlin de Vladimir Putin.

O presidente russo, que busca uma reeleição garantida no domingo (18), poderá reforçar a frente em que sempre se destaca: a imagem de um defensor feroz dos interesses do país contra um Ocidente hostil à Rússia.

“Essa é a arena dele, é onde todas as sondagens indicam seu melhor desempenho”, disse Alexei Levinson, diretor no Centro Levada, o mais respeitado instituto de pesquisa de opinião do país. Com o Reino Unido expulsando diplomatas e fazendo graves acusações com palavras duríssimas de sua primeira-ministra, a ideia de uma Rússia sob ataque ganha corpo a poucos dias do pleito —o qual Putin vai vencer, restando saber se com os mais de 60% de comparecimento popular que deseja para lustrar o triunfo.

Isso não retira, obviamente, a gravidade da crise, a mais aguda desde 2014, quando a Rússia desmembrou a Crimeia da Ucrânia e a reabsorveu a seu território, de onde a península havia sido desligada em 1954 num capricho do líder soviético Nikita Krushchov. Não é todo dia que um grande país ocidental acusa Moscou de usar armas químicas em seu território, e a ênfase de May nesse ponto entrega uma estratégia que pode ensejar reações de outros aliados contra o Kremlin. É algo central a acompanhar, ainda mais com Donald Trump sob a perene pressão sobre sua relação com os russos.

O “sarcasmo e desdém” com que o governo russo tratou o episódio, nas palavras de May, só deverá aumentar. É boa política interna. Externamente, Putin não parece ligar a mínima, como a resiliência da economia russa em crise parece provar. Nos últimos anos, o sistema bancário sob isolamento do país se robusteceu, e o aumento do gasto militar entregou resultados práticos na Síria e na Ucrânia, para não falar na retórica ultramilitarista direcionada contra os Estados Unidos pelo presidente.

Em resumo, não parece haver muito que possa incomodar a Rússia na prática. Esqueçam ações no Conselho de Segurança: Moscou tem poder de veto lá. A questão remanescente, claro, é saber quem tentou matar Serguei Skripal e sua filha.

A narrativa acima parece chancelar um interesse do governo russo na morte do agente duplo, mas analistas em Moscou se perguntam se valeria a pena pagar um preço diplomático tão alto para auferir apoio interno quando a eleição presidencial já está ganha. Faz sentido, mas nunca é bom duvidar da capacidade de governos de serem maquiavélicos.

É questionável também qual ameaça Skripal poderia fazer à Rússia, já que ele passou seis anos na cadeia antes de ser solto e mandado para Londres numa troca de espiões em 2010. Informação relevante não seria, senão ele nunca teria sido liberado. E, se a tivesse, teve oito anos para entregar ao serviço secreto britânico, para quem trabalhou como informante por nove anos.

Se a ordem veio do governo russo, só faria sentido como uma espécie de recado geral sobre suas capacidades. Essa teoria, que apareceu aqui e ali na imprensa europeia, parece algo pueril. Ninguém duvida das capacidades dos serviços secretos russos, ou americanos, ou britânicos, por mais que Putin já tenha declarado que a única coisa que ele não perdoa é traição. Recados públicos são dispensáveis, o que leva a duas outras possibilidades.

Primeiro, que Skripal foi atacado pelo próprio serviço secreto britânico, buscando uma boa briga com Moscou num momento em que o governo conservador está sob forte ataque. Vale aqui o mesmo raciocínio usado com Putin: valeriam a pena os riscos? Alguém vai levantar os padrões morais do Ocidente como um óbice a isso, mas basta lembrar como Londres apoiou o programa americano de prisões secretas e assassinatos na “guerra ao terror” para voltar à razão.

Segunda opção, a morte tem a ver com alguma dívida do passado de Skripal, seja com russos ou agentes de qualquer outro país. Não é incomum, nesse ramo, vinganças serem executadas muitos anos depois das ofensas. Mas, como em todas as alternativas anteriores, a verdade talvez nunca vá emergir. Enquanto isso, as teorias da conspiração servirão ao gosto de cada cliente.

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