Homens negros ricos nos EUA têm mais chances de empobrecer, mostra estudo

Afro-americanos de mesma origem social ganham menos que brancos

Em meio a manifestantes em uma rua de Boston, nos EUA, dois homens negros aparecem à frente: um de camiseta preta e outro sem camisa, mas cobrindo o rosto com uma camiseta branca; ao fundo, outro homem negro, com roupas de estilo afro
Ativistas do movimento negro protestam contra manifestação de supremacistas brancos em Boston, em agosto de 2017 - Spencer Platt - 19.ago.2017/Getty Images/AFP
The New York Times

Os meninos negros criados nos EUA, mesmo nas famílias mais ricas e vivendo em bairros abastados, ainda ganham menos quando chegam à idade adulta do que os meninos brancos com origens semelhantes, segundo um novo estudo abrangente que acompanhou a vida de milhões de crianças.

Os meninos brancos que nascem ricos provavelmente continuarão sendo. Os meninos negros criados no topo, porém, têm maior probabilidade de empobrecer do que de continuar ricos com suas famílias na idade adulta.

Mesmo quando as crianças crescem juntas, com pais que têm rendas semelhantes, os meninos negros se saem muito pior que os brancos em 99% dos EUA. E as diferenças só pioram nos bairros que prometem baixa pobreza e boas escolas. 

Segundo o estudo, conduzido por pesquisadores das Universidades Stanford e Harvard e pelo Departamento do Censo dos EUA, a desigualdade de renda entre negros e brancos é totalmente conduzida pelo que acontece entre esses meninos e os homens que eles se tornam.

As meninas negras e brancas de famílias com rendas comparáveis obtêm rendas individuais semelhantes quando adultas.

“Você poderia pensar que em algum ponto escaparia da armadilha da pobreza”, disse Nathaniel Hendren, um economista de Harvard e um dos autores do estudo. Os meninos negros —até os ricos— podem aparentemente nunca supor isso.

O estudo, baseado em dados anônimos de renda e demográficos de virtualmente todos os americanos que estão no final da casa dos 30 anos, derruba várias outras hipóteses amplamente aceitas sobre desigualdade.

As diferenças persistiam mesmo quando meninos negros e brancos cresciam em famílias com a mesma renda, em estruturas familiares semelhantes, níveis de educação semelhantes e até níveis parecidos de riqueza acumulada.

As disparidades restantes também não podem ser explicadas por diferenças na capacidade cognitiva, argumento defendido por pessoas que citam diferenças raciais em notas de testes que aparecem para meninos e meninas negros. 

Se tais diferenças inerentes existissem por raça, “você teria de explicar por que essas supostas diferenças de capacidade não prejudicam as mulheres”, disse David Grusky, um sociólogo de Stanford que revisou a pesquisa. 

IMPRECISÃO

Uma possibilidade mais provável, sugerem os autores, é que as notas de testes não medem com precisão as capacidades das crianças negras, para começar.

Se essa desigualdade não pode ser explicada por características individuais ou familiares, o que realmente importa provavelmente está fora de casa —nos bairros ao redor, na economia e em uma sociedade que vê os meninos negros de modo diferente dos meninos brancos, e até mesmo das meninas negras.

“Uma das ideias pós-raciais liberais mais populares é a de que o problema fundamental é a classe, e não a raça, e este estudo explode claramente com essa ideia”, disse Ibraim Kendi, professor e diretor do Centro de Políticas e Pesquisas Antirracistas na Universidade Americana. “Mas por algum motivo não queremos olhar o racismo na cara.”

Os autores, que incluem o economista de Stanford Raj Chetty e duas pesquisadoras do Censo, Maggie R. Jones e Sonya R. Porter, tentou identificar bairros onde meninos negros pobres se saem bem, e tão bem quanto os brancos. 

“O problema”, disse Chetty, “é que essencialmente não existem esses bairros nos EUA.” 

Os poucos bairros que preenchem esse critério estavam em áreas que mostravam menos discriminação em pesquisas e testes de preconceito racial. Eles principalmente tinham baixos índices de pobreza. 

E, de maneira intrigante, esses bolsões —incluindo partes dos subúrbios de Washington em Maryland, e cantos de Queens e Bronx, em Nova York— eram lugares onde muitas crianças negras de baixa renda tinham pais em casa. Os meninos negros pobres se saíam bem nesses lugares, quer seus pais estivessem presentes quer não.

“Essa é uma conclusão inovadora”, disse William Julius Wilson, um sociólogo de Harvard cujos livros fazem a crônica das lutas econômicas dos homens negros. “Eles não estão falando sobre as consequências diretas da situação conjugal dos pais de um menino. Eles falam da presença de pais em uma determinada camada do censo.”

Outros pais da comunidade podem servir como modelos e mentores para os meninos, dizem os pesquisadores, e sua presença pode indicar outros fatores do bairro que beneficiam as famílias, como menores índices de encarceramento e melhores oportunidades de emprego.

OBSTÁCULOS

A pesquisa deixa claro que há algo único nos obstáculos que os homens negros enfrentam. A diferença entre hispânicos e brancos é menor, e suas rendas convergirão em algumas gerações se a mobilidade se mantiver igual. 

Os asiático-americanos ganham mais que os brancos criados no mesmo nível de renda, ou mais ou menos o mesmo quando se excluem os imigrantes de primeira geração. Só os americanos nativos têm uma diferença de renda comparável à dos afro-americanos. Mas as disparidades são maiores para os meninos negros.

“Isto cristaliza e insere dados por trás dessa coisa que sempre soubemos que existia porque a sentimos pessoalmente ou a vimos ao longo do tempo”, disse Will Jawando, 35, que trabalhou na Casa Branca de Barack Obama na My Brother’s Keeper, uma iniciativa de mentoria para meninos negros. 

Mesmo sem esses dados, as pessoas que trabalhavam no projeto, segundo ele, acreditavam que o racismo estrutural e individual visava os homens negros de maneiras que exigiam políticas destinadas especificamente a eles.

Jawando, que é filho de pai nigeriano e mãe branca, cresceu pobre em Silver Spring, Maryland. O subúrbio de Washington contém alguns dos raros bairros onde meninos negros e brancos parecem se sair igualmente bem. 

Jawando, que se identifica como negro, hoje é um advogado casado e tem três filhas. Ele é um dos meninos negros que veio de baixo e subiu até o topo.

Ele foi um dos 20 milhões de crianças nascidas entre 1978 e 1983 cujas vidas se refletem no estudo. Usando dados do Censo que incluíam declarações de imposto de renda, os pesquisadores puderam ligar as fortunas daquelas crianças quando adultas às rendas de seus pais. Nomes e endereços foram ocultos dos pesquisadores.

Pesquisas anteriores sugerem alguns motivos para que haja uma grande diferença de renda entre homens negros e brancos, mas não entre as mulheres.

Outros estudos mostram que os meninos, de todas as raças, são mais sensíveis que as meninas a desvantagens como crescer na pobreza ou enfrentar discriminação. Enquanto as mulheres negras também enfrentam efeitos negativos do racismo, os homens negros muitas vezes experimentam a discriminação racial de um modo diferente. 

Ainda na pré-escola, eles têm maior probabilidade de ser repreendidos na escola, são separados ou detidos e revistados por policiais com maior frequência.

“Não é só ser negro, mas ser homem que foi estereotipado dessa forma negativa, em que tornamos os homens negros assustadores, intimidativos, com uma propensão à violência”, disse Noelle Hurd, uma professora de psicologia na Universidade da Virgínia.

Ela disse que esse estereótipo racista prejudica economicamente sobretudo os homens negros, agora que os empregos no setor de serviços, que exigem interação com os clientes, substituíram os empregos fabris que antes usavam homens com menor instrução. 

Os novos dados mostram que 21% dos homens negros criados na parte inferior da escala social foram presos, segundo um retrato de um único dia durante o Censo de 2010. Os homens negros criados entre o 1% no topo —por milionários— tinham a mesma probabilidade de ser encarcerados que os homens brancos criados em famílias que ganhavam cerca de US$ 36 mil por ano.

“Simplesmente porque você está em uma área que é mais afluente ainda é difícil para os meninos negros se apresentarem como independentes do estereótipo da criminalidade negra”, disse Khiara Bridges, professor de direito e antropologia na Universidade de Boston que escreveu um trabalho ainda no prelo sobre discriminação contra pessoas negras afluentes.

Essa dinâmica ainda pesa sobre Jawando. Ele tem uma boa renda, vários diplomas e aspirações políticas --é candidato ao conselho municipal no condado de Montgomery, onde cresceu. Mas em sua própria comunidade ele toma cuidado para se vestir como um profissional liberal. 

“Eu penso que se eu vestir um moletom, se for a algum lugar, serei visto apenas como um negro de capuz?”, disse ele. “Ou as pessoas vão me reconhecer?” 

Essas pequenas decisões cotidianas —usar um paletó ou não— o perseguem apesar de seu sucesso. “Eu não acho que você escapa dessas coisas”, disse ele. 

Emily Badger, Claire Cain Miller , Adam Pearce e Kevin Quealy

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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