Protestos fazem lobby pró-armas dos EUA reforçar ofensiva

NRA lança campanha por novos associados, com desconto de um terço na anuidade

Pessoas se inscrevem na NRA em conferência conservadora em National Harbor, Maryland - Joshua Roberts - 23.fev.2018/Reuters
Washington

Em meio a um intenso debate sobre o controle de armas nos Estados Unidos, não há qualquer sinal de anormalidade na fachada espelhada da NRA (Associação Nacional do Rifle), o mais poderoso lobby pró-armas do país.

O prédio, a 25 km de Washington, permanece intocado, escondido num entroncamento rodoviário. Nenhum vestígio de protesto, nenhuma agitação. Para entrar, é preciso ir à portaria principal, onde só é autorizado quem se identificar e disser a que veio. 

A única coisa que se avista dentro do prédio é um enorme urso polar empalhado, de pé, em posição de ataque –morto a tiros por um dos precursores da associação. O revólver responsável pela façanha está ao lado.

A calmaria reflete a forma imperturbável como a NRA recebeu os protestos após o ataque a tiros numa escola da Flórida, que deixou 17 mortos e um rastro de manifestações. 

Houve mães e filhos chorando no Congresso. Puxão de orelha do presidente Donald Trump. Hashtag nas redes sociais. E até boicote a empresas que davam descontos a membros da NRA.

Mas, diante das críticas que sucederam a tragédia, a associação revidou. Criticou o uso político do massacre e atribuiu uma ameaça socialista ao controle de armas.

Mais que isso, fez uma campanha para obter novos associados. Num congresso conservador, fez promoção especial: US$ 20 a anuidade, desconto de um terço. Em alguns momentos, formava até fila.

“O negativo é mais forte que o positivo na política. Quando você tem medo de perder direitos, há mais poder de mobilização”, afirmou à Folha o advogado Richard Feldman, ex-lobista da NRA.

Feldman rompeu com a entidade há quase 20 anos. Escreveu um livro com inúmeras críticas. Mas disse que ela “absolutamente não perdeu apoio” da sociedade. A NRA ainda é “o gorila de 800 libras na sala”, como diz o ditado popular americano. 

Mais que as doações de campanha, que em 2016 foram de US$ 51 milhões, seu poder de mobilização está nos 5 milhões de associados, segundo Adam Winkler, professor da Universidade da Califórnia e autor de um livro sobre armas nos EUA.

“A verdadeira fonte de sua força vem dos eleitores, e não do dinheiro”, afirmou. 

É a defesa da liberdade que garante a mobilização dos seus associados –e a pressão sobre o Congresso. Na sede da entidade, um letreiro dourado exibe um trecho da Segunda Emenda da Constituição, que protege o porte de armas. 

Cerca de um terço da população possui uma em casa, segundo pesquisa do Pew Research Center. São quase 300 milhões de armas, quase uma para cada americano.

Foi a defesa intransigente da Segunda Emenda, a partir da década de 1970, que deu corpo à NRA –no início, voltada para a promoção da caça e do tiro esportivo.

Atualmente, na loja da associação, adesivos exibem o rosto dos fundadores do país, como George Washington e Thomas Jefferson, ao lado da frase: “Eles lutaram pela sua liberdade; agora é sua vez”.

No Museu Nacional das Armas, mantido pela entidade, armas com adornos e que pertenceram a artistas de cinema são exibidas ao lado de imagens de peregrinos com espingardas colonizando o país.

O último corredor, com pistolas de cima a baixo, é chamado de “porta da liberdade”. “A América é uma democracia única porque o povo é quem decide quem governa”, diz uma placa.

GESTÃO DE CRISE

Esta não é a primeira, nem a pior crise da história da NRA. Nos anos 1960, as mortes a tiros de John F. Kennedy, Martin Luther King Jr. e do senador Robert Kennedy levaram a uma lei que regulamentou a produção, compra e transferência de armas. A NRA apoiou a mudança.

A crise mais recente foi em 2012, após o ataque na escola Sandy Hook, que matou 20 crianças. Apesar da comoção pública, pouca coisa mudou. 

Para alguns especialistas, porém, a pressão de agora é diferente. Segundo Winkler, essa geração, que cresceu sob a ameaça de chacinas, pode adotar como sua a causa do controle de armas, e pressionar por uma mudança pelo voto —como faz a NRA hoje.

O presidente Donald Trump dá sinais controversos. Ao mesmo tempo em que pediu mudança e chegou a desafiar congressistas que têm “medo da NRA”, afirma que os diretores da associação são “grandes patriotas”. “No pior dos cenários, a NRA ainda é um gorila de 799 libras”, afirmou Feldman.

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