Torcidas organizadas da Argentina entoam cânticos contra Macri

Com aprovação e queda, presidente é alvo de apoiadores de times de rivais políticos

Com faixas e bandeiras azuis e grenás, torcedores do San Lorenzo apoiam o time na arquibancada do estádio Nuevo Gasómetro, em Buenos Aires
Torcedores do San Lorenzo em jogo contra o Boca Juniors, em fevereiro; apoiadores do time do papa Francisco estão entre os que começaram a entoar gritos contra Macri - Alejandro Pagni - 4.fev.2018/AFP
Sylvia Colombo
Buenos Aires

Uma espécie de movimento "Fora, Temer" começou a ecoar nos estádios da Argentina, com cânticos entoados pelas maiores torcidas.

Trata-se de cantos baseados em duas frases: "Mauricio Macri, la puta que te parió" (Mauricio Macri, filho da puta) e "Macri, basura, vos sos la dictadura" (Macri, lixo, você é a ditadura). Uma delas ficou tão famosa que ganhou até versões ao piano que viralizaram na internet.

O movimento cresceu tanto que um sindicato de árbitros propôs suspender jogos ou punir as equipes cujos torcedores entoem os cânticos.

A lógica, segundo o secretário-geral da entidade, Guillermo Marconi, é aplicar as mesmas sanções de quando há insultos a bolivianos, paraguaios e judeus —algo comum nos estádios do país.

O diretor da AFA (Associação de Futebol Argentino), Claudio Tapia, minimizou a questão, uma vez que lançada essa proposta, os cânticos não pararam de se multiplicar. Sua opinião é que talvez seja melhor deixar o assunto morrer por conta própria. De qualquer modo, afirmou que o caso será discutido pela entidade na semana que vem.

Os cânticos não surgem por acaso. Macri perdeu mais de dez pontos de aprovação desde as eleições legislativas de outubro. Segundo as pesquisas, principalmente devido à inflação de 24% e aos "tarifaços" (aumentos de tarifas com a retirada de subsídios).

Os institutos mostram que as faixas onde o presidente mais perdeu apoiadores foram as de homens de 16 e 30 anos e de baixa renda —a maioria dos que vão às arquibancadas dos estádios.

POLÍTICA E FUTEBOL

Não se pode perder de vista, porém, a intrínseca relação entre futebol e política na Argentina. Historicamente, os líderes de torcida são também "punteros", ou seja, líderes comunitários que distribuem benefícios sociais e ajudam na propaganda política.

Isso foi regra no kirchnerismo (2003-2015), tanto que, em 2012, quando houve um episódio de violência de torcidas, Cristina Kirchner defendeu as "barras bravas".

No governo de Macri, o mapa do poder das torcidas mudou, mas continua existindo. É preciso lembrar que ter sido presidente do Boca Juniors (1995-2007) foi o que catapultou sua carreira política.

Por outro lado, justamente as torcidas dos clubes ligados a seus inimigos políticos são apontadas como as responsáveis por começar a moda.

Seriam os torcedores do San Lorenzo, clube de coração do papa Francisco, com quem o presidente tem uma relação cheia de fricções, e os do Independiente, equipe comandada pelo sindicalista Hugo Moyano, protagonista dos protestos antigoverno.

Outros jogos em que foram ouvidos os gritos foram do Huracán, do Chacarita, do Banfield e do Racing, time de coração da família Kirchner.

Porém, ainda que a Casa Rosada afirme que essas manifestações são orquestradas por uma militância, há alguns exemplos que não cabem nessa explicação.

Por exemplo, uma das ocasiões em que o cântico se entoou de maneira mais retumbante foi em um jogo do River Plate (os jogos na Argentina têm torcida única por questão de segurança), clube tradicional da elite portenha.

Quem defendeu o governo foi o ídolo do Boca Juniors, Carlos Tevez, trazido da Europa em 2015 como parte da campanha para eleger Macri: "Acho um absurdo insultarem Mauricio num estádio. Futebol é futebol, não é espaço para trazer algo que te incomode nas ruas", disse.

Agora, porém, os cânticos parecem estar se disseminando em outros espaços: eles se repetiram no show da cantora Patti Smith, na quinta (1º).

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