Trump pode destruir geração de jornalistas, diz colunista do New York Times

Em evento em São Paulo, Thomas Friedman afirma ter adotado 'uma dieta de Trump'

O jornalista Thomas Friedman durante evento no Kuwait - Yasser Alzayyat - 18.nov.2015/AFP
Isabel Fleck
São Paulo

O colunista do “New York Times” Thomas Friedman se diz preocupado com os próximos três anos de governo Trump. Declara não saber se os Estados Unidos “vão aguentar”. Compara o presidente a uma “doença devoradora de cérebros” e afirma que ele “pode destruir uma geração de jornalistas” fazendo com que eles “não aprendam” durante seu mandato.

“Todo dia ele faz ou fala algo tão ultrajante que os jornais e os colunistas pensam: ‘se eu não escrever sobre isso, as pessoas vão pensar que eu estou normalizando; e se eu escrever, eu não vou aprender — não vou escrever sobre guerra, ou sobre o Brasil ou a Venezuela’”, disse Friedman, vencedor por três vezes do prêmio Pulitzer, durante um evento da Câmara Americana de Comércio, em São Paulo.

O colunista disse ter, ele mesmo, adotado “uma dieta de Trump”, impondo limites à quantidade de textos que escreve sobre o presidente. “Ele [Donald Trump] pode destruir uma geração de jornalistas, porque você pode acordar em quatro anos e perceber que não aprendeu nada”, afirmou a um grupo de repórteres depois.

Friedman, contudo, reconhece que os jornais aumentaram suas vendas após a eleição de Trumpo que impõe um dilema para a imprensa em geral. Segundo ele, os jornalistas sabem que suas reportagens serão mais clicadas e compartilhadas se o tema for o presidente. “Mas estamos tornando as pessoas estúpidas numa escala industrial”, diz.

A solução, para ele, no entanto, não é que o jornal assuma um papel de “resistência” contra o presidente —o que seria “realmente perigoso”.

“Não é exatamente como nós fomos criados. Nós cobrimos os dois lados”, diz. “Mas temos leitores e funcionários que questionam: ‘por que publicamos um artigo opinativo com esse conservador? Tínhamos de ser a resistência’.” 

CONSELHO AO BRASIL

O colunista ri ao dizer que não tem certeza se os americanos “têm algo a ensinar” aos brasileiros sobre como votar, mas aconselha os eleitores daqui a não votar em um candidato só para não votar em outro.

“Acho que o melhor conselho é achar alguém para votar que você concorda e não que você seja contra. Se você vota contra alguém, pode acabar elegendo alguém como o Trump, o que não é apropriado.”

Friedman, autor de livros como “O Mundo É Plano” e “Obrigado pelo atraso”, diz ter certeza de que Trump é resultado de uma onda de insatisfação popular que atinge não só os EUA, assim como a tendência de buscar nomes populistas para saná-la. 

“Não há dúvidas que isso foi uma tendência, mas agora as pessoas estão vendo o efeito disso e talvez na próxima vez eles falem ‘nós já tentamos uma vez e não deu certo’. Ou talvez não. Não dá para saber, nunca passamos por isso”, afirma.  

Ele evita, inclusive, fazer previsões para as eleições legislativas nos Estados Unidos deste ano. Para ele, é preciso considerar sempre que grande parte dos eleitores do Trump “não estão votando nele, mas contra os democratas”.

“Eles odeiam as pessoas que odeiam Trump mais do que eles gostam do Trump”, avalia.

Para não negar completamente a fama de otimista atribuída principalmente aos seus livros, Friedman defende que a verdade ainda inspira as pessoas e que “há mercado” para ela, mesmo em meio à disseminação crescente das notícias falsas.  

“Obviamente há um mercado para teorias da conspiração e fake news, e hoje há muito mais gente nesse mercado. Mas ainda acho que há um mercado para a verdade”, diz. Para ele, as redes sociais como Facebook, Twitter e Youtube têm uma grande obrigação de tratar esse problema com mais seriedade.

“O Facebook foi manipulado por muitas pessoas nessas eleições, então eles têm muito o que responder.” 

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