Aldeias que desaparecem em Portugal buscam turismo como única salvação

Êxodo de jovens e morte dos mais velhos fazem de algumas localidades povoados fantasmas

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Paulo Markun
Cubas (Portugal)

Há dois anos, uma imobiliária perguntou a Victor Brandão, dono de um prédio histórico na cidade do Porto, sobre imóveis na região com vocação ecológica.

O médico e empreendedor de 63 anos tinha a resposta: um terreno de 20 hectares de topografia muito íngreme, recortada por muros de pedra erguidos há séculos com 11 casas de xisto em ruínas, que ele comprara quase dez anos antes. 

A aldeia da Emproa chegou a abrigar 14 famílias e a fornecer carne, milho e legumes para outras localidades. Em 2000, Brandão conheceu o local em uma visita profissional e decidiu comprar o lugar quando o último morador morresse. 

“Minha ideia era fazer um empreendimento turístico, com ligação com a aldeia vizinha, Curvelo de Paivó, onde restaurei seis casas para transformar em alojamento. Mas percebi que é um investimento muito elevado e, em vez de fazer a conta-gotas, resolvi vender.” 

O médico quer € 600 mil pela propriedade (R$ 2,6 milhões). Quem comprar terá de investir muito mais para transformar a antiga aldeia. 

Dinheiro já foi gasto na restauração parcial de duas casas e na melhoria do acesso, mas, quando a reportagem esteve lá, só um carro com tração nas quatro rodas venceu o declive, superado por curvas radicais que exigem manobras. 

O caso da Emproa ilustra um fenômeno presente em todo o interior do país: a desertificação das localidades menores. Há ao menos outras quatro aldeias à venda no país que oferece cidadania a quem tiver € 500 mil para aplicar em imóveis, um benefício que tem sido examinado com desconfiança pela União Europeia.

Pela lei portuguesa, para um local tornar-se vila precisa ter mais de 3.000 eleitores e equipamentos coletivos como posto médico, farmácia, centro cultural, correios, comércio. Abaixo disso —caso dessas localidades— é aldeia. 

O êxodo dos mais jovens e a dificuldade de manter a produção agrícola em pequena escala agravaram-se com os incêndios florestais de 2017. Aqui e acolá, sonhadores e empreendedores buscam reverter o processo. Mas são raras as aldeias nas mãos de proprietário único como a Emproa. 

Para o norte, a cerca de 130 km, está Cubas, no município de Vila Pouca de Aguiar, Alto Trás-os-Montes, com uma dúzia de casas. Dos 70 moradores, restam apenas dois: o casal Francisco Costa, 76, e Maria da Liberação Alves, 68. 

O processo de esvaziamento não aparece nas estatísticas, que só contam os moradores da freguesia de Valoura, a 3 km, à qual Cubas está subordinada. Antes de ficarem sós, Francisco e Maria tinham como vizinhos um casal de primos, mortos recentemente, com quem não falavam. 

Os remanescentes acordam às 7h e dormem às 21h. Aposentados, recebem pensões que, somadas, não chegam ao salário mínimo português, de € 580. Francisco, torcedor do Benfica, já não vai mais à missa montado em sua égua. Tem dois cachorros e poucos dentes. Diz que canta sozinho, mas, conversar, só com Maria. 

Os dois produzem milho, batata, azeitonas e verduras com ajuda do filho mais velho, José Manoel, que vive em Valoura. 

Nascido em Frutuoso, a 3 km dali, o mais novo de oito irmãos foi viver com outra família que lhe dava “casa, comida, bebida e cacete” aos 7 anos. Aos 17, veio para Cubas, trabalhar para o tio de Maria.

Foi para o serviço militar e depois para a França, onde passou 12 anos. As visitas da mulher resultaram em seis filhos, e estes, em 13 netos.

A casa onde vive foi comprada de um cunhado. Viu filhos e vizinhos deixarem a aldeia para trabalhar no exterior, viver em cidades próximas ou preencher um túmulo no cemitério. Mas nunca pensou em partir:

“Passarinho que nasce na terra fria por ela pia”, diz. 

O casal só vê movimento no verão, quando recebe a visita dos filhos e algumas casas em volta, já restauradas, são ocupadas. Todo 4 de dezembro há festa na capelinha da aldeia, recentemente recuperada. 

A mudança sonhada para Cubas já custou € 400 mil à Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar, aplicados no asfalto da estradinha antes intransitável. Para o tesoureiro da Junta de Freguesia de Valoura,

Paulo Santos, Francisco e Maria têm direito às melhorias como todo cidadão.

Em dezembro de 2015, a Câmara de Vila Pouca de Aguiar aprovou a transformação da aldeia em área de recuperação urbana. Parte dos proprietários reformou suas casas, mas algumas restaurações descumpriram as normas e o caso foi parar na Justiça. 

O processo é complexo. O envelhecimento da população, a redução da fertilidade e a busca de melhores oportunidades de trabalho levaram os mais jovens de muitas áreas do interior para o litoral, sobretudo para Porto e Lisboa. Em alguns locais, como Idanha-a-Nova, Penamacor e Vila Velha de Ródão, metade da população já supera 65 anos.

Essa migração tem efeito econômico: 40% dos 278 municípios portugueses estão abaixo média salarial nacional e são majoritariamente do interior. O poder de compra se concentra nas áreas metropolitanas e capitais de distrito. 

Na tentativa de lidar com o problema, em 2015 o governo listou 164 municípios de baixa densidade a privilegiar em todos os programas oficiais de investimento até 2020.

No final do ano passado, alguns presidentes de Câmaras (prefeitos), empresários e acadêmicos criaram o Movimento pelo Interior, que faz conferências regionais e deve apresentar, em junho, propostas para enfrentar o problema. 

Uma inspiração é o projeto que resultou na rede Aldeias do Xisto, 27 comunidades em 16 concelhos no centro do país que oferecem hoje mais de mil camas —em 45 quintas e casas, nove hotéis, duas pousadas e quatro campings— com taxa de ocupação média de 40%, gerando mais de € 3,5 milhões de receita anual. 

O investimento, porém, consumiu quase € 50 milhões e duas décadas de trabalho.

“O segredo para recuperar as aldeias é muito simples: dinheiro. O que leva as pessoas a esquiar na Suiça? A possibilidade de ter todo o conforto depois de um dia inteiro no meio da neve”, diz Victor Brandão. “Ninguém quer ser atendido por pessoas mal vestidas. Só com investimento pesado vamos reerguer o campo em Portugal.”

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