Avanço do nacionalismo impulsiona testes de origem genética nos EUA

Plataformas que detalham perfil do DNA se popularizam em meio a polarização sobre questões raciais

Manifestantes protestam contra supremacistas brancos e o racismo em Knoxville, Tennessee, em agosto de 2017
Manifestantes protestam contra supremacistas brancos e o racismo em Knoxville, Tennessee, em agosto de 2017 - Spencer Platt - 26.ago.17/Getty Images/AFP
Nova York

Num café em Nova York, tentando se reerguer da ressaca do brunch, um homem e uma mulher de meia idade discutiam quem tinha antepassados há mais tempo em solo americano, listando parentes distantes na lista de bordo dos primeiros barcos europeus a atracar por essas terras centenas de anos atrás.

"Minha família começou com a colônia da Virgínia", dizia Robert Slaughter, dono de um antiquário, lembrando o lugar onde viveram John Smith e a índia Pocahontas. "Sou aquilo que pareço, um europeu ocidental, com um pouco de escandinavo e uma pitada de espanhol no meio."

Ele e a nova amiga, como milhões de americanos em tempos de nacionalismo exacerbado, tinham na ponta da língua um resumo cristalino de suas árvores genealógicas.

Não é que tenham se tornado especialistas no assunto da noite para o dia, mas a febre em torno de testes caseiros de DNA que inundam o mercado no país mais rico do mundo criou uma enorme legião de nerds geneticistas amadores.

Em comerciais na TV, empresas como 23andMe, Ancestry e MyHeritage não cansam de contar as histórias de descoberta de seus clientes, um mais caricato do que o outro, do rapaz que descobriu ser mais escocês que alemão e trocou os suspensórios por um kilt à mulher que passou a usar cocares quando soube de um antepassado indígena. 

"Há uma onda de pessoas querendo aprender mais sobre o seu passado", diz Rafi Mendelsohn, porta-voz da MyHeritage, empresa com 80 milhões de usuários no mundo, a maioria deles nos Estados Unidos, e 3 bilhões de árvores genealógicas já arquivadas em seu sistema online.

Todas essas plataformas, que cobram em média R$ 300 pelo teste de DNA, operam da mesma forma. Quem quiser saber detalhes de sua composição genética cospe num tubinho de ensaio, embrulha num saco plástico e manda pelo correio ao laboratório --o resultado chega em semanas. 

E pode esclarecer dúvidas que atravessam os anos. Kim Wederfoort, uma jovem americana de origem caribenha e traços orientais, sempre tentou entender as suas raízes.

 

"Minha mãe dizia que tenho cabelo enrolado por causa dos nossos ancestrais indianos, e era isso o que eu pensava a vida toda", ela conta. "Mas quando chegaram os resultados, vi que a maior parte do meu DNA é africana. Isso só pode ter vindo do lado do meu pai, que foi embora e já não fala mais com a gente."

Emma Krenstler, uma jovem branca que cresceu ouvindo falar de seus antepassados alemães e italianos, também ficou chocada quando viu traços do norte da África e do Oriente Médio nos resultados do teste de DNA que ela fez.

"Isso abriu meus olhos para muitas outras possibilidades. Pensei que tudo que eu sabia até agora sobre mim mesma podia ser uma mentira", diz Krenstler. "Fiquei tão surpresa que passei a cavar mais fundo agora. Meus pais, meus tios e avós também estão todos fazendo esse mesmo exame."

Enquanto ela descobriu origens insuspeitadas, o estudante de urbanismo Mikhi Woods teve certeza daquilo que já pensava sobre a sua composição étnica. Mesmo de olhos puxados, que despertavam perguntas de seus amigos sobre parentes orientais, ele dizia não ter dúvidas sobre as suas raízes africanas.

"Senti um alívio quando vi os resultados. Descobri que faço parte de alguma coisa e que tenho um passado", ele conta. "Sou mais confiante em relação a tudo agora porque isso reforçou minha identidade como um homem negro."

Woods, Krenstler e Wederfoort estudam juntos na Universidade West Chester, na Pensilvânia. Eles todos, curiosos com suas origens étnicas, fizeram testes de DNA como voluntários num projeto acadêmico que tenta avaliar o impacto do conhecimento da própria genética sobre a construção de uma identidade social. 

"Fiquei chocada quando vi tantos alunos formando filas para fazer os testes", conta Anita Foeman, a professora à frente do estudo. "Mas o fato é que a proliferação desses exames está gerando novas discussões sobre raça e cultura. Muita gente mudou toda a narrativa sobre suas origens."

Faz mais de uma década que Foeman começou esse levantamento, mas o número de voluntários e o volume de dados arquivados vêm batendo recordes nos últimos anos, no rastro da eleição de Donald Trump, um presidente que ela diz estar polarizando o debate sobre questões raciais no país.

"Há um desejo cada vez maior de saber mais sobre as nossas origens. Esses testes viraram uma extensão do selfie", diz a professora. "As pessoas querem novas maneiras de se enxergar, querem brincar mais com a identidade."

Mas também querem atacar. Em tempos de supremacistas brancos, violência policial contra negros e discursos de ódio cada vez mais explícitos, pesquisas sobre etnia acabaram virando uma ferramenta política, dando origem ao que ativistas chamam de genealogia da resistência.

Irritada com os ataques a imigrantes que ouvia de comentaristas e políticos ultraconservadores nos canais de notícias na televisão, a jornalista Jennifer Mendelsohn passou a pesquisar as árvores genealógicas dessas personalidades para mostrar que as famílias de muitas delas também vieram de outro lugar para tentar fazer a América.

Um dos que tiveram suas origens reveladas é a comentarista anti-imigração Tomi Lahren, da Fox News, rede que não disfarça seu apoio a Trump. Mendelsohn descobriu que o avô dela forjou documentos para se naturalizar.

"Se pessoas como ela soubessem mais sobre a história da imigração neste país, haveria mais compaixão", diz a jornalista. Ela completa: "Esses testes de DNA e as árvores genealógicas às vezes revelam que as pessoas não são quem pensam que são e mostram que todos estamos conectados".

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