Berço político de Díaz-Canel celebra o novo líder cubano com discrição

Em Santa Clara, orgulho por dirigente se opõe aos temores e à descrença em mudanças

Isabel Fleck
Santa Clara (Cuba)

No início dos anos 1990, o espaço cultural Mejunje, em Santa Clara, trazia às noites de sábado espetáculos com transformistas, num movimento de vanguarda na Cuba de Fidel Castro.

Nas manhãs seguintes, o local abrigava famílias em espetáculos de teatro infantil ou atividades com palhaços.

Miguel Díaz-Canel, o novo chefe de Estado cubano, era presença constante com a então mulher, Marta, e os dois filhos nas programações de domingo. Mas não só.

Ramón Silverio, 69, fundador do Mejunje, que se transformou em um importante espaço LGBT do país, diz se lembrar de Díaz-Canel, de cabelos mais longos e muito magro, também frequentando com amigos as noites do espaço cultural, que era visto por parte dos moradores “como uma Sodoma e Gomorra”.

“Depois que se tornou primeiro-secretário do partido [comunista na província de Villa Clara, em 1994], continuou frequentando, trazia visitantes a shows de rock”, conta.

 

No malconservado prédio do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Central Marta Abreu de las Villas, onde Díaz-Canel se formou em engenharia eletrônica aos 22 anos e depois lecionou entre 1985 e 1987, o silêncio também prevalece.

Um estudante que nasceu no período em que o político era docente diz que alguns de seus atuais professores tiveram aulas com o dirigente. 

“Por aqui, dizem que era bom professor e muito dedicado”, diz o aluno, que falou sob a condição de anonimato.

Procurados, dois professores que foram contemporâneos de Díaz-Canel no departamento não quiseram falar com a Folha. Um sugeriu que o jornal estaria a serviço “do inimigo”. “Nosso país está em guerra, está sendo atacado. É isso que você tem que saber sobre Cuba”, disse.

Silverio é mais generoso e compartilha lembranças de quando Díaz-Canel andava de bermuda e se deslocava de bicicleta pela cidade, nos nove anos (1994-2003) em que foi o homem à frente do PCC na província. “Ele fazia visitas surpresas nos lugares da cidade para ver como as coisas estavam funcionando”, diz.

A última vez em que Díaz-Canel esteve no Mejunje foi numa noite há dois anos, com amigos, e Silverio diz que ele “continua um homem muito fino e culto, sempre tranquilo”. 

“Naquele dia, o Raúl Castro estava na Nicarágua e o segundo homem do poder estava no Mejunje. E tudo terminou bem”, diz, rindo.

Para ele, o fato de Díaz-Canel ter apoiado o espaço LGBT nos anos 90 traz, sim, espaço para mudanças. “Há um texto sendo discutido na Assembleia Nacional sobre direito à união entre pessoas do mesmo sexo, e acredito que estamos no momento para isso.”

Uma das fãs assumidas de Díaz-Canel, a moradora María Betancourt, 86, diz que irá à praça central da cidade no 1º de maio para vê-lo. “Ele é muito bonito, sempre foi. E dizem que virá para a festa aqui. Não vou perder.” No entanto María só o verá se ele retomar suas visitas surpresas. Segundo a imprensa estatal, Díaz-Canel seguirá em Havana, ao lado de Raúl Castro.

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