Destino da moda, Portugal vive alta de preços e começa a nutrir turismofobia

Lisboetas reclamam de efeito na oferta de imóveis, distúrbios no trânsito e descaracterização da cidade

Giuliana Miranda

Após mais de 12 horas de viagem, o publicitário australiano Andrew Jones, 28, não teve exatamente a recepção que esperava em Lisboa. De saída do aeroporto, foi alvo de ofensas que o mandavam voltar para casa.

“Eram duas mulheres na faixa dos 50 anos. Fizeram questão de gritar em inglês e em francês, para garantir que eu estava entendendo”, queixa-se.

A aversão à presença turística, que vem sendo chamada de “turismofobia” mundo afora, é um fenômeno que se alastra pela Europa na esteira das companhias aéreas de baixo custo e da proliferação de hostels e apartamentos de aluguel por temporada.

Em Barcelona, já houve desde manifestações nas ruas até a depredação de ônibus e bicicletas para turistas. Na última pesquisa do “Barômetro Catalão”, o turismo foi apontado pelos moradores como o maior problema da cidade, pior até do que o desemprego.

Em Portugal, onde o turismo cresce acima da média mundial e já responde por mais de 7% do PIB (Produto Interno Bruto), a situação ainda está longe disso, mas há cada vez mais vozes contra os efeitos nocivos causados pelos viajantes.

O “Lisboa Does Not Love” (Lisboa não ama) é uma das plataformas mais ativas. Além de perfis nas redes sociais, o grupo oferece imagens de protesto ao turismo de massa que podem ser impressas em casa e coladas pela cidade.

Em um passeio pelo centro, é possível encontrar algumas delas, assim como mensagens mais genéricas, e até palavrões, contra os visitantes. O grupo não xinga os turistas, mas enumera, em sete idiomas (português, inglês, francês, espanhol, alemão, polonês e italiano), tudo o que considera nocivo no turismo de massa.

“As derivações comerciais do turismo de massa fragilizam o equilíbrio lisboeta, apoderaram-se do seu delicado charme e infiltram-se cada vez mais na alma da cidade”, escrevem. Há alguns itens do repertório turístico que irritam especialmente os portugueses. É o caso dos tuk tuks.

Populares como meio de transporte na Ásia, os veículos chegaram à Europa como locomoção turística, em que o motorista também serve de guia. Barulhentos, eles são acusados de atrapalhar o trânsito, entupir pontos turísticos e ainda descaracterizar a paisagem.

O aumento do turismo também tem sido discutido em Portugal devido ao impacto nos preços e na oferta de casas para a população. Atraídos pelos impostos mais baixos e pela explosão do turismo, muitos proprietários optaram por alugar imóveis apenas por temporada, especialmente nos bairros mais próximos do centro histórico de Lisboa e do Porto.

 

Como o preço de compra e venda de imóveis também está em franco crescimento —já chegou ao patamar pré-crise—, os portugueses se queixam de que está mais caro viver em suas próprias cidades. As situações mais dramáticas são vividas nos prédios dos centros históricos, onde as construções espaçosas são cobiçadas para serem transformadas em hostels e apartamentos por temporada.

Em 2012, uma mudança na legislação flexibilizou os contratos e tornou mais fácil para proprietários romperem os vínculos com seus inquilinos. Moradora do tradicional bairro lisboeta de Mouraria há 45 anos, Carla Pinheiro, 48, diz que viu seus vizinhos e amigos serem expulsos devido à especulação imobiliária.

“Não sou contra o turismo, mas tem de haver um controle, porque a cidade é nossa. Pode haver alojamento turístico, mas tem de se garantir também espaço para os portugueses”, afirma. O dinheiro gasto pelos turistas tem um papel importante na vigorosa recuperação portuguesa dos últimos anos. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, Portugal foi o segundo país da Europa onde o turismo teve mais relevância na economia nacional em 2017 , atrás apenas de Malta.

Números do Banco de Portugal indicam que o ano passado foi o melhor da história para o turismo. Os estrangeiros deixaram em média € 41,5 milhões (R$ 174 milhões) por dia no país.
 
Em nota, o Turismo de Portugal disse: “não temos sinais de turismofobia em Portugal". "Pelo contrário, Portugal tem sido frequentemente reconhecido como um país acolhedor”. A entidade destaca que Portugal conquistou recentemente o primeiro lugar no ranking de países mais acolhedores, de acordo com a InterNations, rede global de informações para pessoas que vivem e trabalham no exterior.

O presidente da Câmara do Porto (cargo equivalente ao de prefeito), uma das cidades onde o turismo mais cresce, também disse que a turismofobia ainda não é um problema. “Mas precisamos de ter a certeza de que o impacto positivo do turismo chega a um maior número de cidadãos, e que o impacto negativo dele é disperso e não concentrado.” 

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