Descrição de chapéu Governo Trump

Em livro, ex-diretor do FBI narra como foi coagido por Trump

James Comey diz que presidente buscava lealdade e o compara a mafioso acima da moral e da verdade

Comey aponta para cima enquanto fala em depoimento
O ex-diretor do FBI James Comey fala durante depoimento a uma comissão do Senado americano em junho passado - Mandel Ngan - 8.jun.17/AFP
Philip Rucker
Washington | Washington Post

Os chefes de inteligência do país tinham acabado de informar Donald Trump sobre a interferência da Rússia na eleição de 2016 quando o diretor do FBI, James Comey, ficou para trás para conversar sobre um dossiê da inteligência que continha denúncias de que os russos haviam filmado o republicano com prostitutas, em Moscou, em 2013.

Segundo o relato de Comey em um novo livro de memórias, Trump "negou enfaticamente as afirmações. [...] Então, começou a falar sobre casos de mulheres que o acusaram de abuso sexual, tema que eu não levantei. Parecia saber de cor suas denúncias".

A conversa em janeiro de 2017 na Trump Tower "beirava o desastre" —até que "tirei a ferramenta da sacola: 'Não estamos investigando o senhor'. Pareceu tranquilizá-lo", escreve Comey.

Ele descreve o presidente como obcecado pelo segmento sobre prostitutas no infame dossiê compilado por um ex-membro da inteligência britânica, Christopher Steele. O documento afirma que Trump viu as mulheres urinarem sobre si mesmas.

"Sou um germófobo", disse-lhe Trump em ligação de 11 de janeiro de 2017, segundo o relato de Comey. "De modo algum deixaria pessoas urinarem nas outras perto de mim."

As conversas sobre o dossiê Steele estão entre as revelações de "A Higher Loyalty: Truth, Lies and Leadership" (Uma Lealdade Superior: Verdade, Mentiras e Liderança, em tradução literal).

Em suas memórias, Comey pinta um retrato devastador de um presidente que construiu "um casulo de realidade alternativa em que se esforçava para envolver todos nós". Ele o descreve como um mentiroso inato e líder antiético, despido de emoção e conduzido pelo ego.

Comey narra casos em que Trump violou as normas que garantem a independência do FBI para tentar coagi-lo.

Interagir com Trump, escreve Comey, lhe deu "flashbacks de minha carreira anterior como promotor contra a máfia. O círculo silencioso de assentimento. O chefe no controle total. Os juramentos de fidelidade. A visão de mundo nós contra eles. A mentira sobre tudo, a serviço de um código de lealdade que coloca a organização acima da moral e da verdade".

O resultado, no dizer de Comey, é "o incêndio florestal que é a Presidência Trump".

JANTAR DA LEALDADE

Depois de uma semana como presidente, Trump convidou Comey para jantar. Ele escreve que acreditava que Trump estava tentando "estabelecer um relacionamento condescendente", e que o presidente disse: "Eu preciso de lealdade. Eu espero lealdade".

"Eu estava decidido a não dar ao presidente qualquer sugestão de assentimento a esse pedido, por isso silenciei", narra. "Lembro que pensei naquele momento que o presidente não entendia o papel do FBI na vida americana."

Trump rompeu o impasse recorrendo a outros temas, escreve Comey, falando em torrentes, "como um quebra-cabeça oral", sobre o tamanho do público na posse, sua cobertura na mídia livre e as artimanhas da campanha.

E então Trump levantou "a história da chuva dourada", lembra o autor. O presidente lhe disse que "o incomodava que houvesse 'uma probabilidade mesmo que de 1%' de que sua mulher, Melania, pensasse que isso foi verdade". Segundo Comey, Trump lhe disse para considerar mandar o FBI investigar a alegação das prostitutas a fim de "provar que foi mentira".

Algum tempo depois, Trump telefonou a Comey para se queixar da investigação da Rússia como uma "nuvem" que estava prejudicando sua Presidência e, mais uma vez, mencionou a denúncia das prostitutas russas.

"Pela quarta vez, aproximadamente, ele argumentou que a história da chuva dourada não era verdadeira, perguntando mais uma vez: 'Você pode me imaginar com piranhas?'", escreve Comey.

Duas semanas mais tarde, em 11 de abril, Trump ligou para o diretor do FBI mais uma vez para checar seu pedido de que o interlocutor "salientasse" que ele não estava sendo investigado.

Foi a última vez em que os dois se falaram. Em 9 de maio, enquanto Comey falava com funcionários do FBI em Los Angeles, ele espiou uma tela de TV e viu uma chamada: "COMEY DEMITIDO".

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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