Descrição de chapéu The New York Times

Em Roma, curso ensina exorcismo até pelo celular: 'Cale a boca, Satanás!'

Por R$ 1.200, semana de palestras recruta padres e freiras para expulsar o diabo das pessoas

JASON HOROWITZ
Roma

O colombiano Andrés Cárdenas abriu sua pasta e começou a fazer anotações cuidadosas. À frene da aula inaugural, um cardeal católico explica como gritar com o diabo, como livrar muçulmanos de magia negra e até como expurgar Satanás pelo celular.

O instrutor dessa "master class" é Ernest Simoni, 89, um cardeal católico com décadas de experiência em expulsar demônios de corpos possuídos.

Simoni, que é albanês, disse que fazer jejum pode ajudar os possuídos, mas que frequentemente é preciso tratar Belzebu com rispidez, dizendo coisas como “cale a boca, Satanás”.

Cárdenas escrevia sem parar enquanto o mestre explicava que embora exorcismos possam ser praticados sobre muçulmanos, “eles continuam a ser muçulmanos depois”.

Cárdenas, 36, foi um dos 300 católicos a participar da 13ª edição do curso anual “Exorcismo e Oração de Libertação”, com duração de uma semana.

A ideia dos organizadores é recrutar e treinar exércitos de potenciais exorcistas para enfrentar as forças demoníacas crescentes no mundo.

A maioria são clérigos, mas há também leigos e leigas munidos de autorizações dadas por seus bispos.

Padre assiste aula em curso para aspirantes a exorcista em Roma, na Itália
Padre assiste aula em curso para aspirantes a exorcista em Roma, na Itália - Tony Gentile/Reuters

Os participantes pagaram cerca de R$ 1.200 (e mais R$ 1.050 pela tradução simultânea) para assistir às aulas, promovidas na Pontifícia Universidade Regina Apostolorum, da ordem conservadora Legionários de Cristo.

Os candidatos a exorcistas culpam a internet e o ateísmo pelo que consideram ser uma expansão do mal, mas o ideário do curso parece também guardar relação com as crescentes visões de que a igreja se desviou de seu rumo sob o papa Francisco e que o fim dos tempos se aproxima.

O papa recentemente deixou conservadores católicos consternados quando foi citado —incorretamente, segundo o Vaticano— por um repórter italiano como tendo dito que não acredita no inferno.

“Isso ultrapassa o tolerável”, declarou o cardeal americano Raymond Burke, líder da resistência a Francisco.

Cárdenas não tem dúvidas quanto à crença do papa no diabo.

POR CELULAR

Em 2014, o Vaticano reconheceu formalmente a Associação Internacional de Exorcistas, que mantém seus cerca de 250 membros sempre a par das melhores práticas na arte de confrontar o demônio.

A morte em 2016 do padre Gabriele Amorth, o mais célebre expulsador de demônios da Itália, motivou uma demanda nacional renovada por recrutas.

No seminário da segunda-feira, Simoni anunciou algumas vitórias surpreendentes. Indagado por um sacerdote como ele sabe se um exorcismo surtiu efeito, o cardeal respondeu:

“É possível ver imediatamente”, explicando que uma pessoa possuída pelo demônio, que antes ficava pulando e “mantendo três ou quatro homens ocupados”, levantou-se com um “sorriso de alegria” estampado no rosto.

“Parece que seus exorcismos são muito bem-sucedidos”, disse Ferrari. À plateia, ele falou: “Nos encontraremos aqui outra vez após o intervalo do café”.

Jornalistas interrogaram Simoni sobre a realização de exorcismos pelo celular, algo que é tecnicamente proibido pelas leis da igreja (o cardeal disse que já os fez “cem ou mil vezes”).

Cárdenas avisou que a magia negra pode ser transmitida por telas (“os filmes americanos também são um problema”), que os demônios penetram no corpo “pela parte de trás do cérebro” e que traumas de infância, como o abuso sexual infantil, podem tornar uma pessoa vulnerável à homossexualidade e a demônios, que, em casos graves, provocam tendências suicidas ou violentas e precisam ser expulsos.

SEGREDOS DE EXORCISTA

Outro que nutre essa crença é Simoni, que sobreviveu a décadas em prisões e campos de trabalhos forçados por ter praticado sua fé sob o regime comunista albanês de Enver Hoxja.

No discurso de abertura do curso, o cardeal respondeu a perguntas dos padres presentes, como a de um  francês que lhe pediu para compartilhar seus segredos de exorcista.

“Ore sem interrupção”, disse o cardeal, lembrando à plateia que “a castidade, sobretudo”, é crucial.

Perguntado se prefere o ritual antigo ou as novas normas introduzidas pelo Vaticano em 1999, Simoni respondeu: “Jesus conhece todas as linguagens”.

Outro padre perguntou como identificar a diferença entre uma personalidade bipolar e uma personalidade possuída.

“É importante diferenciar entre enfermidades psicopatológicas, neurastenia, patologias”, disse o cardeal. “Satanás se reconhece.”

“Esse tema será tratado na terça-feira pela tarde”, interveio o professor Giuseppe Ferrari, um dos organizadores do curso e líder de uma organização de pesquisas sociorreligiosas.

Cárdenas, então, examinou seu programa azul, ilustrado com uma reprodução da pintura “Transfiguração”, de Rafael.

Nos dias seguintes, haveria aulas como:

  • “A oração da libertação, uma abordagem teológica e pastoral”
  • “O exorcista auxiliar: habilidades e deveres”
  • “Vínculos mágicos, esotéricos e ocultos com algumas terapias alternativas e energizantes”
  • “O exorcista: vida, escolhas e erros”
  • “O exorcismo como um ministério da misericórdia e consolação em meio à perplexidade da sociedade contemporânea”

Esta última foi aplicada pelo arcebispo Luigi Negri, que fez manchetes em 2015, quando foi ouvido em um trem desejando a morte do papa Francisco.

Mas Cárdenas estava especialmente interessado na palestra “A bruxaria na África”, programada para o terceiro dia.

O Vaticano tem um relacionamento incômodo com alguns de seus exorcistas africanos mais conhecidos.

O arcebispo Emmanuel Milingo, da Zâmbia, ficou conhecido como curandeiro e exorcista na década de 1990, quando vivia na Itália e era conhecido no país como “o bispo curandeiro”.

Tempos depois, ele se casou com uma coreana em um casamento coletivo presidido pelo reverendo Sun Myung Moon e foi excomungado por ter ordenado quatro homens casados como padres.

Tradução de Clara Allain

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