Emprego por conta própria passa por momento de incerteza em Cuba

Após suspensão de novas licenças, Raúl Castro diz que cuentapropismo fica, mas com reformas

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Isabel Fleck
Havana

O nome “Clandestina”, explica o vendedor Oscar Valdez, brinca com o comportamento que parte da sociedade cubana adota para driblar o regime. A loja de roupas recicladas e descoladas, no entanto, passa bem longe disso.

Criada em 2015, a Clandestina é um negócio privado autorizado pelo governo cubano, após reforma econômica feita em 2010 por Raúl Castro que permitiu o chamado “cuentapropismo”, ou o negócio por conta própria, para algumas atividades.

Em agosto passado, no entanto, Castro suspendeu a emissão de novas licenças para os negócios privados, o que acendeu o sinal de alerta para quem já está ou queria entrar nesse mercado.

Homem caminha por rua de Havana, em Cuba, onde no ano passado havia 580 mil ‘cuentapropistas’
Homem caminha por rua de Havana, em Cuba, onde no ano passado havia 580 mil ‘cuentapropistas’ - Yamil Lage - 18.abr.2018/AFP

No discurso em que se despediu como chefe de Estado —mas indicou que seguirá à frente da política do país, no Partido Comunista—, Castro afirmou que o cuentapropismo continuará crescendo.

A mensagem trouxe certo alívio a quem tem negócio próprio e até esta quinta (19) não sabia o que esperar do novo dirigente, Miguel Díaz-Canel.

“Não renunciamos a prosseguir com a ampliação do trabalho por conta própria”, afirmou Castro.

Segundo ele, esse tipo de negócio “constitui uma alternativa laboral no marco da legislação vigente” e que, “longe de significar um processo de privatização neoliberal da propriedade social, permitirá ao Estado desprender-se da administração de atividades não estratégicas para o desenvolvimento do país”.

Para Valdez, o recado foi positivo. “Raúl disse que vão continuar com os negócios privados. E faz sentido, porque eles fazem bem para a economia cubana.”

Um levantamento feito pelo economista Richard Feinberg, do Instituto Brookings, estima que, hoje, até quatro em dez cubanos em idade produtiva tem alguma relação de emprego com o setor privado. Segundo os dados do estudo, o número de cuentapropistas no país era de 580 mil em 2017. 

O governo também não divulga dados oficiais sobre quanto se investe na economia privada. Segundo Feinberg, autor de “Open for Business: Building the New Cuban Economy” (aberto para negócios: construindo a nova economia cubana), uma das principais fontes de investimento no setor são as remessas vindas de cubanos no exterior.

“Se estimarmos as remessas, de forma conservadora, em US$ 2 bilhões (R$ 7 bilhões) por ano, e considerar investimentos de 30%, a economia privada estaria investindo US$ 600 milhões (R$ 2 bilhões) todos os anos”, diz Feinberg.

O taxista Juan Hernandez Ruiz, 59, não tem informações sobre números oficiais, mas vê no dia a dia como os negócios privados mudaram a cara de Cuba. 

Logo após se aposentar como engenheiro de telecomunicações, onde tinha um salário mensal, no sistema estatal, de cerca de US$ 60 (R$ 295), ele abriu há seis anos uma cafeteria, que hoje está sob o comando do filho.

Ele então comprou Chevrolet azul de 1950 que transformou em táxi. Nas corridas, ganha mais do que o triplo do que quando era engenheiro.

“Isso não representa uma ameaça para o governo —pelo contrário, cria emprego e gera impostos. Não acho que eles vão voltar atrás. O próprio Raúl Castro já disse que o cuentapropismo veio para ficar”, diz.

Castro, em seu discurso, contudo, destacou os “erros” da implementação e controle do novo sistema, que permitiram a “evasão de obrigações tributárias”, que, por sua vez, levaram o governo a suspender as licenças, segundo ele.

Para Hernandez, mais regulação é positivo, porque acaba com os “piratas”, que “sonegam impostos e tornam a concorrência desleal”.

As principais atividades com permissão para negócios próprios estão ligadas ao turismo: táxis, restaurantes, aluguéis de casas e quartos.

Mas já há lojas como a Clandestina, que afirma ser o primeiro negócio privado na área de moda. 

Eles compram roupas usadas em lojas que vendem doações do exterior e transformam em novas peças, com design gráfico próprio e impressão feita nos fundos da própria loja. O público é formado majoritariamente por turistas estrangeiros.

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