Gabinete de Mauricio Macri guarda patrimônio fora da Argentina

Declarações mostram que ministros têm no exterior 44% de suas posses, 50% mais que em 2016

Macri aparece com o dedo indicador esquerdo enquanto fala durante evento; à sua direita, Nicolás Dujovne ri e, à esquerda, Federico Sturzenegger apoia seu queixo em sua mão esquerda
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, discursa em evento do G20 em Buenos Aires ao lado do ministro da Economia, Nicolás Dujovne (à dir.), e do presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger - Presidência da Argentina - 20.mar.18/Reuters
Sylvia Colombo
Buenos Aires

Enquanto o presidente Mauricio Macri viaja pelo mundo reunindo-se com estadistas e empresários para dizer que a economia de seu país decolou e por isso vale a pena investir na Argentina, o comportamento de seus ministros não entusiasma nenhum potencial investidor.

As declarações dos funcionários de seu gabinete à Receita relativas a 2017 mostram que 44% de seu patrimônio declarado está fora do país. São cerca de 365 milhões de pesos, ou R$ 60 milhões.

A parte dos patrimônios que está em dinheiro foi depositada em dólares, longe da inflação de 23% que castiga o argentino médio.

O ministro da Energia e ex-CEO da petroleira Shell no país, Juan José Aranguren, afirmou que estava esperando "que a Argentina recupere a confiança em sua economia" ao ser indagado sobre seus 88 milhões de pesos no exterior, que só declarou em 2016.

Não muito atrás na lista dos que não mostram crer na recuperação argentina está o próprio ministro da Economia, Nicolás Dujovne, com 85 milhões de pesos no exterior.

Dujovne se justifica dizendo que "durante o kirchnerismo [2003-15] eu sentia que meu patrimônio estava mais protegido no exterior. Minha declaração de 2018 vai ser bem diferente", sinalizando que irá repatriar o dinheiro.

Dujovne também tem três empresas no exterior, nas quais investe 20 milhões de pesos, e duas propriedades em Punta del Este, Uruguai.

LAVA JATO

A lista dos milionários do gabinete de Macri é encabeçada pelo chefe do serviço de inteligênciaum dos melhores amigos do presidente—, Gustavo Arribas, com 108 milhões de pesos fora do país.

Arribas foi acusado por delatores de receber dinheiro da empreiteira brasileira Odebrecht com a intenção de exercer influência para que a empresa ganhasse a concessão das obras de soterramento do trem Sarmiento, em Buenos Aires, quando Macri era chefe de governo da cidade.

As declarações de renda deste ano mostram que os ministros, a maioria vinda do setor privado, não se intimidou com o fato de estarem em cargos públicos e terem agora a responsabilidade de dar um exemplo e sinais de que acreditam que o plano que têm para o país vai dar certo.

As declarações também indicam que o valor em dinheiro que mantêm no exterior é 50% maior do que em 2016.

Enquanto isso, o governo vem fazendo campanha para que os argentinos repatriem seus dólares guardados no exterior, declarados ou não, em sua maioria em bancos no Uruguai ou nos EUA.

A prática é comum mesmo entre a classe média alta, castigada pela hiperinflação dos anos 1980 e, depois, pela crise econômica de 2001, que desvalorizaram o peso.

Macri o aprovou uma nova legislação que anistia o dinheiro guardado no exterior e não declarado que voltar ao país. Seu irmão, que é o atual presidente do Grupo Macri, Gianfranco Macri, foi o primeiro em fazê-lo.

Entre os membros do primeiro escalão com bens fora da Argentina estão ainda o chanceler Jorge Faurie, que tem uma casa em Portugal e uma conta de 4 milhões de pesos no mesmo país, e outra na França, com 1 milhão.

Já o ministro da Justiça, Germán Garavano, declarou ter uma conta nos EUA com 1,5 milhão de pesos.

O ideólogo da atual política econômica argentina e que incentivou a anistia a repatriações e o estímulo aos investimentos em pesos no país, o ex-ministro estrela Alfonso Prat-Gay, nunca trouxe de volta os 40 milhões de pesos de uma conta nos EUA.

O membro do gabinete de Macri que está mais encrencado, porém, é o ministro das Finanças, Luis Caputo, que não declarou ter parte do patrimônio investido em empresas offshore nas ilhas Cayman, um paraíso fiscal. O escândalo abalou o governo.

Caputo começou nesta quarta (4) a responder a uma comissão no Congresso que decidirá seu destino, mas a sessão foi interrompida após o ministro enviar um bilhete à deputada kirchnerista Gabriela Cerruti em que pedia: "Minhas filhas têm 11 e 13 anos, por favor não seja má".

Cerruti respondeu aos gritos e foi acompanhada por parlamentares de seu bloco. Todos se levantaram.

A legislação argentina prevê para o delito de Caputo pena de até dois anos de cadeia.

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