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Governo Trump

Há razões suficientes para desconfiar de benevolência de Trump sobre Síria

Ataque aéreo é oportunidade para reforçar sua agenda e desviar atenção de problemas internos

Trump aparece franzindo a testa e de boca aberta, como se estivesse gritando, no pôster, que aparece queimando
Pôster do presidente dos EUA, Donald Trump, é queimado em protesto contra os ataques americanos na Síria em Simferopol, na Crimeia - Pavel Rebrov/Reuters
Fernanda Magnotta

Acompanhamos, na noite de sexta-feira (13), os ataques empreendidos pelos Estados Unidos, Reino Unido e França à Síria.

O ataque foi justificado pelo presidente Donald Trump como uma forma de fazer frente aos excessos do governo sírio e seus aliados, particularmente após a denúncia sobre o uso de armas químicas em Duma.

Trump disse, no pronunciamento oficial que antecedeu os ataques, que as ações perpetradas por Bashar al-Assad são “crimes de um monstro”. Ao longo da semana já havia se referido ao ditador sírio, via Twitter, como um “animal que mata o próprio povo”.

De fato, o uso de armas químicas é considerado ilegal e imoral no jogo da política entre os Estados. Representa um ataque grave à dignidade humana, envolve múltiplos riscos sistêmicos e contraria a Convenção pactuada por quase todos os países do globo.

Apesar disso, há razões suficientes para desconfiar das intenções benevolentes de Trump em relação à Síria. Como no passado também havia razões para desconfiar das intenções de George W. Bush no Iraque.

Tudo seria simples não fosse o fato de que na política internacional parece haver pouco espaço para o altruísmo. Na maior parte do tempo, prevalecem sobre narrativas travestidas de generosidade, estratégias egoístas. Para os Estados, trata-se de uma oportunidade de afirmação de poder e, para seus líderes, é questão de sobrevivência política.

O discurso mercurial de Trump não é fortuito. Representa uma oportunidade de reforçar a ideia central de sua agenda (fazer da “América grande de novo”) ao mesmo tempo em que permite desviar a atenção da opinião pública norte-americana de questões domésticas, que polarizam o país, para assuntos externos com grande capacidade de conciliação de interesses. Táticas antigas e bem conhecidas dos observadores mais atentos.

Os Estados Unidos construíram sua identidade e reforçam suas posições de forma relacional e sempre em contraposição a um inimigo externo.

Num momento em que não há clareza sobre os polos de poder que podem desestabilizar o hegemon, Trump busca endurecer o discurso diante de quaisquer arranjos que apequenem seu país. Faz parte da crença de que “só poderemos ser grandes se reforçarmos que somos melhores do que os outros”.

Por isso, ele não aceita ceder às pressões multilaterais de nenhum tipo, critica os que “tiram vantagens dos Estados Unidos” e reage de forma agressiva ao que lê como provocação. Não aceitaria calado a manifestação de apoio da Rússia à Síria, principalmente após insinuações da diplomacia russa de que mísseis teleguiados norte-americanos seriam pouco precisos. Não aceitaria tampouco ser associado ao mesmo tipo de legado deixado por seu antecessor.

Não é desprezível também o timing em que tudo isso acontece. Além de este ser ano eleitoral nos Estados Unidos, quando boa parte do Congresso será renovada e por tabela Trump estará sujeito a um referendo indireto de sua gestão, a investigação sobre o envolvimento russo na eleição de 2016, conduzida pelo procurador especial Robert Mueller, avança a passos largos.

No início da semana, quando Trump discursava sobre a Síria, o FBI realizava uma operação no escritório e na casa do advogado pessoal do presidente. A sensação é de que o deteriorar da relação com a Rússia acompanha o ritmo da investigação contra Trump.

Finalmente, o endurecimento do discurso em relação à Assad e aos seus aliados coincide com mudanças na administração republicana, particularmente com a chegada de John Bolton como assessor de segurança nacional do presidente, e com pressões de lideranças do partido que incentivam uma ação militar no país.

Trump disse, por repetidas vezes, que preferia que “outros cuidassem da Síria”, suspendeu verbas de US$ 200 milhões para o fundo de estabilização e recuperação do país e, há poucos dias, falou em retirar de lá soldados norte-americanos. Hoje, afirma que age em nome do bem-estar do povo sírio. Diz que “isso é sobre a humanidade”, “que estamos falando de humanidade”. Está difícil acreditar.

FERNANDA MAGNOTTA é professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da UNESP e do Núcleo de Estudos sobre Política Externa dos Estados Unidos

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