Descrição de chapéu The New York Times

Jornal de Hong Kong vira ferramenta para China melhorar imagem no exterior

Após ser comprado pelo Alibaba, o diário The South China Morning Post virou alvo de críticas

A Redação do jornal The South China Morning Post em Hong Kong; publicação foi comprada pelo Alibaba em 2016
A Redação do jornal The South China Morning Post em Hong Kong; publicação foi comprada pelo Alibaba em 2016 - Lam Yik Fei/The New York Times
Javier C. Hernández
Hong Kong | The New York Times

Numa tarde recente os profissionais da redação do jornal The South China Morning Post, fundado há 114 anos, se reuniram para comer leitão assado em sua nova e luxuosa sede em Hong Kong, comemorando uma reviravolta positiva surpreendente.

A circulação do jornal vem crescendo. O SCMP lançou novos produtos digitais e contratou dezenas de jornalistas adicionais. Depois de mais de uma década de declínio e caos editorial, a Redação hoje fervilha de atividade como se fosse uma startup de tecnologia, e sua sede inclui mesa de pingue-pongue e um pub interno com cerveja artesanal gratuita.

O renascimento começou dois anos atrás, quando o jornal foi comprado pelo Grupo Alibaba, grande empresa chinesa de tecnologia e varejo. Mas, se o Alibaba está infundindo vida nova ao jornal, também lhe confiou uma nova missão: melhorar a imagem da China no exterior e combater o que vê como sendo um viés da mídia internacional contra o país.

O que o Alibaba fez, na prática, foi pegar o maior jornal em língua inglesa de Hong Kong, presente desde os tempos do domínio britânico, e colocá-lo na vanguarda dos esforços da China para projetar seu “soft power” fora do país.

O SCMP publica dezenas de artigos sobre a China diariamente, muitos dos quais procuram apresentar uma visão mais positiva do país. Com isso, dizem críticos, o Post está se afastando de um jornalismo independente e introduzindo uma nova forma de propaganda política.

O Alibaba, que foi transparente desde o início em relação a suas ambições para o jornal, visualiza o dia em que o SCMP será a maior organização de jornalismo do mundo, projetando-se graças à ascensão da China como superpotência.

“Seremos observados, e as pessoas prestarão atenção em nós”, disse Joseph C. Tsai, co-fundador do Alibaba, durante uma comemoração no mês passado, comparando o South China Morning Post a um azarão que vai competir nas Olimpíadas pela primeira vez.

Mas jornalistas temem que o Alibaba, que se tornou uma das empresas mais valorizadas do mundo graças em parte ao fato de conservar boas relações com o governo chinês, esteja abandonando a história de jornalismo combativo do SCMP, para agradar a Pequim.

“Ao declarar explicitamente que seu objetivo é apresentar uma visão positiva da China e ao publicar artigos questionáveis, a direção está solapando as próprias qualidades que fazem o SCMP útil, em primeiro lugar”, opinou Yen Chan, jornalista e professor sênior na Universidade Chinesa de Hong Kong.

Enquanto empresas e governos pelo mundo afora procuram maneiras de passar ao largo da mídia noticiosa tradicional, o South China Morning Post virou um estudo de caso de como um novo proprietário pode cooptar um título estabelecido para promover pontos de vista determinados. Executivos do Alibaba dizem que querem apresentar uma alternativa “justa e equilibrada” à mídia estrangeira, uma declaração de missão que remete à Fox News.

Gary Liu, empreendedor na área de tecnologia formado em Harvard e executivo-chefe do SCMP, disse que o jornal pode apresentar uma visão com mais nuances da China do que fazem os veículos ocidentais. O SCMP conta com 350 jornalistas na Ásia, incluindo cerca de 40 na China continental.

“Não estamos aqui para promover a visão e os desejos de Pequim”, disse Liu, que foi anteriormente executivo-chefe do Digg, site agregador de notícias sediado em Nova York.

Mas a cultura de autocensura do jornal é anterior à sua aquisição pelo Alibaba, disse Wang Feng, que foi editor online do SCMP de 2012 a 2015. Ele disse que os editores-chefes habitualmente reescreviam, minimizavam ou deixavam de publicar reportagens críticas, por receio de ofender a autoridades ou empresários chineses influentes.

“Isso muitas vezes era feito com muita discrição”, falou Wang, hoje editor da versão em chinês do site do jornal britânico Financial Times. “Percebia-se que as pessoas não tinham exatamente liberdade de dizer o que quisessem.”

Em fevereiro, disseram jornalistas do SCMP, o Ministério da Segurança Pública pressionou os editores chefes do jornal para enviar um repórter para entrevistar Gui Minhai, crítico político e cidadão sueco que a polícia chinesa tinha tirado de um trem.

Gui foi citado então como tendo dito que teria infringido a lei chinesa e que não queria ajuda internacional. Em sua cobertura do tema, o SCMP disse que a entrevista com Gui foi “organizada pelo governo”.

“O SCMP corre o risco de tornar-se um veículo da máquina maior de propaganda de Pequim”, falou Willy Wo-Lap Lam, acadêmico da Universidade Chinesa de Hong Kong e ex-jornalista do SCMP.

Xi Jinping, o líder chinês mais poderoso em décadas, praticamente eliminou o jornalismo crítico na China continental, vem colocando novas pressões sobre a mídia de Hong Kong e ordenou uma grande ampliação da máquina de publicidade do país, com as emissoras públicas se fundindo em uma entidade única chamada “Voz da China” para reforçar a mensagem internacional da China.

Chow Chung-yan, que comanda a cobertura da China e de Hong Kong, negou que o South China Morning Post se renda à pressão de Pequim.

“Somos independentes e livres”, ele disse. “Não temos pessoas telefonando para a Redação para perguntar o que vamos publicar.”

A editora chefe do SCMP, Tammy Tam, ex-apresentadora de televisão de Hong Kong, se negou a ser entrevistada. Em comunicado, ela disse: “Fazemos fazer jornalismo livre, destemido e seguindo os padrões editoriais mais elevados”.

Os líderes do SCMP dizem que executivos do Alibaba, que têm um escritório alguns andares acima da Redação do jornal, não estão envolvidos nas decisões editoriais. Mas Tsai, o co-fundador que discursou no evento no mês passado, mantém contato estreito com o Alibaba e oferece a seus executivos feedback ocasional sobre a cobertura do jornal e seus novos produtos.

Embora muitos de seus aproximadamente 850 artigos semanais pareçam ser voltados ao público de Hong Kong ou asiático, o SCMP vem contratando vários jornalistas de veículos como da rede de TV britânica BBC e do jornal americano The New York Times, para ajudar a conferir um tom internacional à sua cobertura.

Área de descanso na Redação do jornal The South China Morning Post, em Hong Kong
Área de descanso na Redação do jornal The South China Morning Post, em Hong Kong - Lam Yik Fei/The New York Times

Para atrair um público jovem e leitores nos Estados Unidos, hoje seu maior mercado, este mês o jornal lançou o Inkstone, um aplicativo e boletim que trata da China em tom informal, e o Abacus, um site multimídia voltado à tecnologia. Os novos produtos também ajudam a enfraquecer as críticas segundo as quais o SCMP seria uma ferramenta de propaganda.

“Falar mal do hino nacional? Dá até três anos no xilindró”, dizia uma manchete recente de um artigo no Inkstone sobre as penalidades para quem, em Hong Kong, ironiza o hino nacional da China.

O sucesso do SCMP talvez dependa de sua capacidade de persuadir leitores internacionais de que ele faz uma cobertura digna de crédito sobre a China. Mas seus jornalistas lutam contra a percepção de que o jornal é apenas mais um veículo da mídia estatal chinesa.

Tom Grundy, editor do Hong Kong Free Press, um site rival de jornalismo, disse que o SCMP tem jornalistas de talento. Mas, para ele, o fato de o Alibaba ser o proprietário do SCMP, além dos erros editoriais recentes do jornal, correm o risco de macular o trabalho de alta qualidade que ele faz.

“Por melhor que seja o trabalho deles, sempre haverá desconfiança”, disse.

Tradução de Clara Allain

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