Mulheres partem sozinhas rumo ao Brasil e querem chance de trabalho

Angolana quer ser modelo e estilista; marroquina deixou filha pequena no país natal

A angolana Emilia luwawu, 22, veio ao Brasil fugindo de ameaças de morte e quer trabalhar no setor de moda
A angolana Emilia luwawu, 22, veio ao Brasil fugindo de ameaças de morte e quer trabalhar no setor de moda - Bruno Santos/Folhapress

Dos 65 milhões de pessoas em deslocamento no mundo hoje, 52% são mulheres, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

É um fenômeno diferente do de séculos passados, em que as famílias mandavam seus homens na frente —os pais de família ou filhos mais velhos—, com a tarefa de levantarem dinheiro para depois mandar buscar os que ficaram para trás.

Em parte, as mulheres agora viajam para fugir de estupros —usados como armas de guerra— ou de violência doméstica. Mas muitas estão apenas à procura de uma vida melhor, em pé de igualdade com os homens também imigrantes. O vídeo abaixo relata as esperanças de três dessas mulheres, cujos depoimentos estão nesta página.

 

Apesar da igualdade nas qualificações e no potencial, mulheres imigrantes precisam de políticas públicas específicas, segundo especialistas.

"Elas são mais vulneráveis à exploração, e muitas foram realmente exploradas até chegar aqui", diz Floriano Pesaro, que deixou nesta quinta (5) o cargo de secretário de Desenvolvimento Social do estado de São Paulo, no qual coordenava as entidades que recebem refugiados e outros estrangeiros recém-chegados.

"As imigrantes sudanesas, nigerianas, congolesas, em geral foram vítimas de perseguições políticas, étnicas, em seus países. Chegam muito machucadas do ponto de vista moral e algumas do ponto de vista físico. Em geral vêm sozinhas, ou com os filhos, sem o marido ---que foi morto ou não conseguiu sair. São as histórias mais trágicas possíveis, e requerem mais tempo e recursos humanos e psicológicos", diz ele.

Gabriela Cunha Ferraz, ex-coordenadora do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres no Brasil e idealizadora do projeto Vidas Refugiadas, diz que uma das principais dificuldades para ela é deixar os filhos no país natal.

“É uma dor e um obstáculo imenso para que se integrem em outro país. Sempre falta um pedaço. Essa mulher pode falar a língua, conseguir um emprego, mas ela jamais está inteira enquanto não restabelecer o vínculo da maternidade. E muitas, porque precisam mandar dinheiro para seus filhos,  ficam expostas à prostituição. Falta política, faltam recursos, e a mulher, por ser invisível nesse processo, por não ser enxergada, tende a sofrer mais", afirma Ferraz.

Emilia Luwawu Makungundu
Emilia Luwawu Makungundu - Bruno Santos/Folhapress

Emilia Luwawu Makungundu, 22, de Angola

"Precisei sair do meu país porque estava com risco da vida.

Deixei meu pai... chamo de meu pai, mas é meu tio. Meu pai e minha mãe faleceram há muito tempo em um acidente de carro.

Meu irmão está na província de Angola, também fugiu. Meu tio também precisou sair. Até agora não tenho novidade dele, não sei de nada sobre ele.

Chegar aqui sozinha é difícil quando você não tem emprego. Trabalhando, tudo vai dar certo.

Vou fazer a faculdade de contabilidade, mas preciso trabalhar.

Conseguir me formar é um sonho meu, ser modelista, estilista. Espero fazer muitas coisas aqui. Sei que com o apoio de Deus tudo vai dar certo. Mas preciso estudar, me formar, trabalhar.

Sinto falta da minha família, muita falta deles. Não sei um dia vou reencontrá-los.

A marroquina Bouchra Rachidi, 37, que está no Brasil há dois meses
A marroquina Bouchra Rachidi, 36, que está no Brasil há dois meses - Bruno Santos/Folhapress

Bouchra Rachidi, 36, do Marrocos

Liberdade é a melhor coisa do Brasil. No Marrocos, para as mulheres, a situação é muito diferente e difícil.

Deixei toda minha família e vim sozinha, para mudar de vida. No Marrocos, tinha uma microempresa.

Claro que sinto saudades, mas a viagem é isso. Depois que tomei a decisão, não posso ficar presa em remorsos. Minha prioridade agora é aprender português para trabalhar e me estabilizar.

Só o bom [Deus] sabe o que será de mim daqui a 3 ou 10 anos, mas tenho um bom pressentimento 
sobre o futuro.

São Paulo é grande, tem muito trabalho, muita gente, acho que será melhor para mim.

A angolana Marcelina Fernandes Ndombele, 27, com sua filha de um mês, Vitória,  na Casa de Passagem, no centro de São Paulo
A angolana Marcelina Fernandes Ndombele, 27, com sua filha de um mês, Vitória, na Casa de Passagem, no centro de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Marcelina Fernandes Ndombele, 32, de Angola

Viemos para cá porque um general queria matar meu marido. Nem pensei em nada, só queria fugir.

Cheguei aqui grávida de 6 meses, a comida não fazia bem, vomitava. No dia em que Vitória nasceu, estava a chorar muito. Porque não tínhamos nada, Francisco [o marido] não tinha trabalho, também estava a chorar. Chorar, chorar…Não vai resolver nada. Parei de chorar.

Francisco está há duas semanas a trabalhar numa lavanderia, mas não temos dinheiro para mandar a Angola. Deixei minha filha de 8 anos com avó lá no meu país. Quando penso nisso nem tenho apetite. Não gosto de pensar no futuro, quando penso nessa coisa meu coração fica ruim. Agora não temos nada.

Para Angola não dá para voltar agora. Não sei se um dia eu vou voltar.

Estamos mais ou menos contentes no Brasil, precisamos de trabalho, só trabalho. Para uma mulher, é difícil. Meu cabelo vive sujo, não tenho dinheiro para arrumar meu cabelo. É muito complicado.

Em Angola eu trabalhava numa loja, depois parei. Não sei o que farei quando a Vitória crescer. Acho que quando passar cinco, seis meses… Aqui para trabalhar é muito complicado, só com experiência, experiência, eu não tenho experiência. Vou trabalhar como?

Para Vitória espero bué [palavra de origem africana que significa "bastante"] de coisas. Aqui só posso esperar ajuda, só isso. Muita ajuda, muita ajuda.

Espero que tudo dê certo para mim no futuro.


Atlas inédito detalha, cidade por cidade, a imigração deste século para o estado de São Paulo.

PRINCIPAIS TENDÊNCIAS

1) Novas origens: mais de 260 países foram citados por imigrantes que chegaram ao país entre 2000 e 2015

2) Novas mulherescresce o número de mulheres que deixam sozinhas seus países, para fugir de estupros ou de violência na família

3) Novas qualificaçõesimigrantes com diploma universitário são fatia crescente, principalmente entre latino-americanos

4) Nova interiorizaçãoleis facilitam obtenção de documentos de trabalho, e imigrantes não precisam mais ficar presos a trabalhos clandestinos na capital paulista

5) Nova legislação: Brasil aprova lei que facilita entrada de estrangeiros, mas faltam políticas que permitam integração eficiente e produtiva

6) Novas chances: filhos de imigrantes viram ponte entre seus pais e a língua e os costumes do novo país

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