Descrição de chapéu

Nicholas Kralev: É possível preparar já a Renascença diplomática do pós-Trump

Quanto mais os EUA demorarem a mostrar sua força na política externa, pior a atrofia se tornará; os futuros líderes ainda podem surgir das fileiras atuais ou entre universitários.

Mike Pompeo, indicado por Trump para substituir Rex Tillerson como secretário de Estado
Mike Pompeo, indicado por Trump para substituir Rex Tillerson como secretário de Estado - Leah Millis - 12.abr.18/Reuters

Faz pouco mais de um ano que a diplomacia americana entrou na Idade das Trevas, mas o tempo de luto já passou.

O desdém da Casa Branca de Trump pela questão persiste, e é muito provável que não mude --afinal, o novo assessor de segurança nacional, John Bolton, não é fã da diplomacia nem de diplomatas.

O melhor que o corpo diplomático e o pessoal do governo ligado à academia e a think tanks têm a fazer é se preparar com sabedoria para o dia em que Trump sair, de modo a garantir uma Renascença.

São poucos os diplomatas em Washington que têm o que fazer. Alguns estão entre missões, pois o governo ainda não preencheu centenas de vagas no Departamento de Estado; outros têm emprego, mas se sentem deixados de lado.

O único aspecto positivo é que agora eles têm tempo de se voltar para dentro e encontrar soluções para os problemas --tanto os que foram criados pela negligência de Trump como os que há muito flagelam o departamento.

Há um precedente: após a Guerra Civil [1861-65], o Congresso fez cortes drásticos no orçamento do Exército. O moral sofreu. Por isso, os oficiais visionários e mais expeditos começaram a pensar e a escrever sobre meios de iniciar reformas e reforçar o profissionalismo, preparando-se para o fim do período sombrio.

Um dos maiores desafios culturais do serviço diplomático moderno é a geração de líderes legítimos, ainda que informais, independente de posições ou títulos. Essa é uma das razões pelas quais ninguém se destacou como representante da insatisfação com a guerra travada contra a diplomacia pelo governo. 

Mesmo em situações normais, profissionais de carreira tendem a manter atitude discreta, sem muito alarde. 

É preciso superar isso. Períodos anormais como o atual exigem líderes que tomem a iniciativa e mobilizem colegas rumo a uma revitalização.

Como mostrou a tão falada --mas fracassada-- tentativa do ex-secretário de Estado Rex Tillerson de "reformular" o departamento, é muito pouco provável que as verdadeiras reformas na condução da diplomacia nacional se deem por indicações políticas.

Ideias valiosas têm mais chance de surgir das categorias profissionais, não por ordem dos chefes. 

Embora qualquer mudança significativa deva ter aval da chefia, em uma gestão normal, a diplomatas de carreira são confiados postos mais destacados, como também a indicados políticos. Exercer influência externa seria mais fácil com ideias inovadoras.

E não faria mal ter aliados poderosos no Capitólio --afinal, foi só graças ao Congresso que o orçamento do Departamento de Estado não perdeu uma fatia de 30%, como a Casa Branca queria.

É crucial se concentrar nas questões certas, como as capacidades de longo prazo e a cultura institucional, e não nos detalhes técnicos.

Por exemplo: a diplomacia americana é mais reativa do que proativa há muito tempo. Como mudar isso? 

A cultura do corpo diplomático se baseia demais na improvisação e não no pensamento estratégico. William Burns, ex-vice-secretário de Estado, uma vez me disse que o diplomata de carreira "se orgulha perversamente de sua habilidade de rápida adaptação, mas não é muito sistemático em relação ao processo da realização".

Outro problema é o volume absurdo de burocracia de que os diplomatas no exterior têm que cuidar, em vez de se concentrar na prática da diplomacia. Ela impede as razões por que estão vivendo em países estrangeiros: compreender os desenvolvimentos locais e se engajar com a sociedade local para uma melhor transmissão das políticas dos EUA.

O que dizer dos "buracos" que se formam no estrangeiro todo verão, quando os funcionários assumem novas funções semanas, às vezes meses, depois que seus antecessores partiram? Mesmo na era da comunicação instantânea, isso gera uma necessidade de reinvenção da roda.

Em relação àqueles que não fazem parte do governo, os think tanks voltados para o exterior podem ajudar, produzindo pesquisas sobre tendências e inovações. Mas, em grande parte, eles ignoram esse papel, alegando que sua missão é estudar a política externa, e não o que alguns chamam de "maquinário".

A razão para isso é verba: é mais fácil achar doadores para financiar pesquisas sobre as políticas. Contudo, pelos danos causados ao maquinário, corrigir o processo será tão importante quanto o teor das políticas quando chegar ao fim este período tenebroso.

O setor acadêmico também pode ajudar. As ações da gestão atual diminuíram o atrativo da diplomacia para os jovens. O número de inscritos no exame de admissão caiu quase à metade desde a eleição de Trump --e em comparação com antes de 2017, pouco mais de um terço de novos funcionários são admitidos.

É crucial manter vivo o interesse na carreira; o problema é achar faculdades com cursos não de relações internacionais e sim de prática diplomática. Mesmo instituições com o termo "serviço diplomático" têm poucas disciplinas ligadas à matéria, em geral só para falar de sua história.

Quanto mais os EUA demorarem a mostrar sua força diplomática, pior a atrofia se tornará. Os futuros líderes ainda podem surgir das fileiras atuais ou entre universitários. Aspirarão a cargos como o de embaixador ou secretário-assistente, mas, uma vez no topo, deverão achar tempo para cuidar dos colegas. 

Em eras sombrias ou prósperas, ninguém mais o fará. 

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.