Relação entre Donald Trump e a imprensa piora em 15 meses

Amazon, do mesmo dono que o Washington Post, vira alvo; mídia é tema favorito do presidente dos EUA

Washington

Desde que chegou à Casa Branca, há 15 meses, Donald Trump mantém sua relação com a mídia sob estresse. Mas nem no início do mandato, quando chamou alguns veículos de “inimigos do povo”, esse laço esteve tão retesado.

“A relação ficou mais tensa, rancorosa”, diz Pablo Boczkowski, professor da Universidade Northwestern (Chicago) e organizador de um livro sobre a relação do presidente com a mídia.

Nas redes sociais, o presidente falou 204 vezes sobre “fake news” (expressão com a qual designa parte da imprensa). É o maior número de manifestações sobre um assunto, à frente de “China”, “Rússia”, “imigração”, “reforma tributária” e “FBI”.

Surgiu até na repercussão do ataque á Síria, dia 13. “Foi tão perfeito que o único jeito de a mídia fake news diminui-lo foi por eu ter usado o termo ‘missão cumprida’”, afirmou, em alusão à expressão usada antecessor George W. Bush (2001-09) para falar da Guerra no Iraque quase nove anos antes de seu fim.

Nas últimas semanas, o alvo maior foi o bilionário Jeff Bezos, dono da varejista online Amazon e do Washington Post, jornal que faz cobertura cerrada do governo. 

“Eles [Amazon] pagam pouco ou nenhum imposto, usam nossos Correios como garoto de entrega e estão levando milhares de varejistas à falência”, afirmou. Para ele, o Washington Post é o “principal lobista” de Bezos.

“Ele pode estar em guerra conosco, mas não estamos em guerra com ele; só estamos fazendo nosso trabalho”, afirmou o editor-executivo do Post, Martin Baron, em palestra no ISOJ (Simpósio Internacional de Jornalismo Online) no fim de semana.

Polarização

Analistas ouvidos pela Folha concordam que Trump tem direito a se expressar. “Há certa frustração no governo com o tipo de cobertura que parte da imprensa faz da gestão”, diz Boczkowski.

O problema, apontam, é a falta de compromisso com os fatos, como quando sua então assessora Kellyanne Conway cunhou a expressão “fatos alternativos” para dizer que a posse de Trump tivera público recorde (não teve).

“Isso gera enorme risco para a imprensa”, afirma Edison Lanza, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

Em seu relatório sobre a liberdade de expressão nas Américas, ele aponta crescentes episódios de violência contra jornalistas nos EUA, sobretudo de assédio e ameaças online a a autores de reportagens críticas a Trump.

“Um contexto de clara confrontação, no qual jornalistas são constantemente insultados e estigmatizados, impede um debate razoável e plural de questões públicas”, diz o texto, que pondera que a tensão entre imprensa e governo é natural, mas a polarização fere a democracia.

A mídia tem a confiança de apenas 14% dos republicanos nos EUA, segundo pesquisa do Instituto Gallup. Criticá-la, ressalta Boczkowski, mantém a base incensada.
 

Karin Wahl-Jorgensen, especialista em jornalismo e democracia da Universidade de Cardiff (Reino Unido), diz que Trump ajudou a legitimar a raiva como discurso político, catalisando o descontentamento com o establishment.

E parte da imprensa comprou a briga, conclui Boczkowski. “Vocalizar a opinião de parte da população contrária ao presidente pode ser bom para os negócios”, afirma, citando os picos de audiência do início do governo.

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