Descrição de chapéu The New York Times

Hungria tem demissão em massa de juízes após reeleição de Orbán

Tribunais são preenchidos com aliados de premiê

Patrick Kingsley
Budapeste | The New York Times

Há menos de quatro semanas, o primeiro-ministro Viktor Orbán, da Hungria, ganhou a reeleição após prometer buscar "reparações morais, políticas e legais" de seus adversários. 

Quatro dias depois, algo estranho começou a acontecer no sistema judicial do país. Uma série de juízes se demitiram em rápida sequência do Conselho Nacional de Justiça, o principal baluarte contra a interferência executiva no Judiciário. 

O partido de Orbán afirma que não há nada estranho nessas saídas. Mas seus críticos temem que os juízes estejam renunciando sob a pressão de aliados de um governo Orbán reforçado, com a intenção de fazer o Judiciário se dobrar ainda mais.

"A situação não estava boa antes", disse Zsuzsa Sandor, uma ex-juíza, "mas agora vai piorar".

Com maior urgência, o Conselho Nacional de Justiça deverá anunciar nesta quarta-feira (2) os resultados de um inquérito sobre denúncias de que uma das mais antigas amigas e aliadas de Orbán, Tunde Hando, encheu os tribunais com fiéis em sua função de chefe do Judiciário nos últimos seis anos. 

A súbita renúncia de tantos membros chaves do conselho pode abafar o anúncio do resultado, impedir que o conselho tome medidas contra ela e a deixe ainda mais livre para agir.

Se o conselho não puder mais funcionar adequadamente, "não há mais esperança de que os juízes possam atuar e decidir de maneira independente", disse Sandor. "Significaria que não há mais como controlar o trabalho de Tunde Hando."

As medidas alarmaram alguns dos cerca de 3.000 juízes da Hungria, que lutam para manter sua autonomia desde que Orbán chegou ao poder, em 2010, e começou a transformar o país no que ele chama de Estado iliberal. 

O premiê húngaro, Viktor Orbán, durante entrevista coletiva em Budapeste - Bernadett Szabo - 10.abr.2018/Reuters

Nos últimos oito anos, as políticas nativistas de Orbán, juntamente com seus instintos autocráticos, fizeram dele um herói para os líderes da extrema-direita global, incluindo o antigo estrategista de Donald Trump, Steve Bannon. 

Os discursos de Orbán contra as instituições democráticas da Hungria, incluindo sua Constituição, seu sistema eleitoral e a mídia, serviram de modelo para outros líderes ocidentais de mentalidade semelhante --por exemplo na Polônia, cujo governo imitou muitas de suas medidas desde 2015.

Como parte dessas reformas, a independência do sistema judicial húngaro foi gradualmente solapada, mas, para frustração de Orbán, nunca completamente destruída. 

Recém-galvanizado por um maior mandato eleitoral, Orbán ou seus fiéis agora poderão mudar isso —seja colocando o Judiciário sob o controle direto do Ministério da Justiça, ou minando o Conselho Nacional de Justiça. 

Hando é uma velha amiga do primeiro-ministro, e seu marido dirige o grupo de Orbán no Parlamento Europeu. Devido às mudanças implementadas por Orbán em 2011, ela foi posteriormente nomeada presidente do Gabinete Judiciário Nacional. 

Nessa função, Hando tem amplo controle das finanças dos tribunais, de nomeações para cargos e procedimentos disciplinares, embora seus poderes tenham sido ligeiramente moderados depois da pressão do principal grupo vigilante das direitas na Europa. 

No Judiciário, as decisões de Hando só podem ser contestadas pelo Conselho Nacional de Justiça, um grupo de 15 juízes eleitos por seus pares. 

Durante anos, o conselho pouco fez para obstruir as atividades de Hando. Mas depois da eleição de novos membros, em janeiro, o conselho começou a desafiar sua autoridade, anunciando uma investigação de suas práticas de contratação.

Então Orbán venceu a eleição. Quatro dias depois, Agnes Rendeki, recém-eleita para o conselho, renunciou por razões pessoais, segundo disse. Um segundo membro fez o mesmo no dia seguinte. E no seguinte, um terceiro. 

Menos de três semanas depois, cinco membros do conselho tinham se demitido, assim como seis da reserva que poderiam tê-los substituído. Hoje há avaliações conflitantes sobre se o conselho tem membros suficientes para se reunir.

Istvan Lovas, um destacado comentarista que apoia Orbán, disse que é "ridículo" afirmar que Hando manipulou o Judiciário a favor do governo. 

"Posso dar muitos exemplos que mostram que Hando indicou juízes que são absolutamente contra o Fidesz", disse Lovas, referindo-se ao partido de Orbán. "De dez decisões dos tribunais húngaros, oito beneficiam a oposição." 

A controvérsia ocorre em um momento crítico para Orbán e para o Fidesz. O primeiro-ministro deverá se reunir nesta quarta-feira (2) com membros graduados do Partido Popular Europeu, uma aliança de partidos conservadores a que Orbán pertence, juntamente com Angela Merkel, a chanceler alemã.

A liderança do Partido Popular Europeu pouco fez para conter Orbán desde 2010, mas um número cada vez maior de seus legisladores no Parlamento Europeu está cansado.

Se Orbán não os vencer na quarta-feira, alguns desses deputados poderão votar a aplicação de medidas disciplinares contra a Hungria em setembro, em um processo conhecido como procedimento do Artigo 7º. 

Manifestantes protestam contra o governo do premiê húngaro, Viktor Orbán, em Budapeste - Bernadett Szabo - 21.abr.2018/Reuters

Isto, por sua vez, poderia desanimar algumas empresas estrangeiras, particularmente alemãs, que têm um papel importante na economia húngara, segundo Otilia Dhand, analista de Europa Central e do Leste na Teneo Intelligence, uma consultoria financeira e política. 

"Os tribunais serão uma parte chave da discussão na quarta-feira", disse Dhand. Se Orbán não convencer, "poderá aumentar o risco de que a Hungria enfrente um procedimento do Artigo 7º, o que teria um efeito nocivo no pensamento dos investidores."

O caso de Orbán é ajudado pelo fato de que a maioria dos juízes que renunciaram do Conselho de Justiça citou motivos pessoais para tomar essa decisão. 

Mas o momento de sua saída, assim como a rapidez com que ocorreu, levou outros juízes húngaros a se perguntarem se há algo mais sinistro em ação. 

Pouco antes de sua renúncia, por exemplo, Rendeki foi vista em lágrimas depois de uma reunião com Hando.

"Renúncias forçadas talvez seja uma expressão radical demais", disse Peter Szepeshazi, um juiz em exercício que frequentemente critica o modo como o governo Orban manipula o Judiciário. "Mas talvez eles tenham sido abordados por pessoas próximas a Tunde Hando, que podem ter lhes transmitido a mensagem de que seria melhor pararem."

Perguntados sobre se foram pressionados a renunciar, dois dos cinco juízes de saída não quiseram comentar, dois não responderam e o quinto --Rendeki-- manteve sua explicação original.

Gergely Gulyas, o líder parlamentar do partido de Orbán, divulgou uma breve declaração sugerindo que o trabalho do conselho é livre de interferência política. 

"Como o Judiciário na Hungria é independente, o Fidesz não tem uma posição sobre as recentes renúncias" do conselho, disse ele em uma mensagem enviada por um porta-voz. 

Os gabinetes de Hando e de Orbán não responderam a diversos pedidos de comentários sobre as renúncias e sua conduta em geral. Contatada por telefone, uma autoridade do Ministério da Justiça pediu que as perguntas fossem feitas por e-mail, mas não respondeu às mensagens enviadas.

Levantaram-se suspeitas sobre as renúncias porque Hando tem o poder de instigar procedimentos disciplinares contra juízes graduados --incluindo vários membros do conselho--, assim como o controle geral de quem é promovido a cargos elevados no Judiciário e os recursos dados a seus departamentos. 

Isso poderia deixar alguns juízes ambiciosos com medo de contrariá-la, para não arruinar suas carreiras, disse Sandor.

Antes de Orbán assumir o cargo, juízes graduados eram nomeados por um painel autônomo. Embora isso ainda aconteça nominalmente, Hando pode na prática rejeitar a escolha do conselho, indicar seu candidato preferido em capacidade provisória durante um ano e depois instalá-lo em base permanente. 

Os críticos temem que esse processo --que Hando utilizou 28 vezes em 2017-- gradualmente permita que ela coloque legalistas em todo o sistema. 

"Não é que lhe digam o que deve decidir em um determinado caso", disse Sandor. "Mas como os casos são distribuídos, como as pessoas são promovidas e como são feitos os procedimentos disciplinares contra os juízes --tudo isso depende de Tunde Hando."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves  

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