Descrição de chapéu refugiados Donald Trump

Cerco anti-migração leva EUA a ter 1ª fuga de cérebro em 10 anos

Universidades americanas perderam 31 mil alunos estrangeiros no ano passado

Estelita Hass Carazzai
Washington

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No ano passado, o primeiro do governo Donald Trump, as universidades americanas tiveram uma fuga de estudantes estrangeiros não vista em uma década, um fenômeno que especialistas atribuem ao cerco anti-imigração adotado pelo presidente.

Manifestantes pedem nova legislação para proteger jovens imigrantes em frente ao Congresso dos EUA - Joshua Roberts/Reuters

No total, as universidades perderam 31 mil alunos estrangeiros (em graduação, mestrado e doutorado) , queda de 3,8% em relação a 2016, de acordo com a National Science Foundation, agência federal independente.

O número continua elevada na comparação histórica (eram 808 mil alunos no ano passado, ante 525 mil em 2008, quando houve a queda anterior), mas a fuga de cérebros preocupa, já que pode ter consequências na qualidade do ensino superior americano e no desenvolvimento de novas tecnologias, por exemplo. 

Para a Associação de Educadores Internacionais (Nafsa, na sigla em inglês), o declínio pode ser explicado pelas políticas anti-imigração de Trump, pela maior concorrência de outros países e pelo corte de programas governamentais de financiamento. 

“Estudantes de todo o mundo prestam muita atenção à retórica que emana da Casa Branca”, diz Esther Brimmer, diretora-executiva da Nafsa. “É decisivo que os líderes do país atuem para que os alunos saibam que são bem-vindos.”

A maior parte das evasões está na Arábia Saudita e na Índia: declínio de 17% e 14%, respectivamente. 
Na Arábia Saudita, o corte de um programa de bolsas do governo local foi fundamental para a queda, mas o receio de preconceito também pesou. A embaixada americana no país chegou a emitir uma nota, pouco antes da eleição de Trump, ressaltando que os estudantes eram bem-vindos. 

Mas isso mudou após a posse de Trump. Em seus primeiros dias, o presidente anunciou a proibição da entrada nos EUA de pessoas de determinados países de maioria muçulmana. Diretrizes também preveem mudanças em vistos de trabalho e estudo, “para proteger trabalhadores americanos”.

“A mudança brusca dos números [de alunos internacionais] sugere que não foi a concorrência de outros países que pesou na decisão”, diz o professor Dick Startz, da Universidade da Califórnia, que acompanha o tema há anos. “Muitos estudantes não se sentem mais bem-vindos na América.”

A queda foi mais significativa nos cursos de mestrado e doutorado, de 5,5%. 
Uma das explicações está no aumento do escrutínio aos vistos de trabalho, como o H-1B, popular entre empresas de tecnologia e que dá residência a estrangeiros com alta qualificação. Muitos alunos de pós-graduação buscam esse status, tentando emendar os estudos com uma oportunidade de trabalho nos EUA.

A Índia responde por pouco mais de 80% dos vistos H-1B
—e, não por acaso, viu uma redução de 14% de estudantes nas universidades nos EUA. 
“Para quem busca residência, complicou”, diz o brasileiro Leonardo Weir Feng, 30, que cursa um MBA na Universidade de Michigan.

O Brasil também registrou queda no número de alunos nos EUA: 5,8%. O principal motivo é o fim do Ciência Sem Fronteiras, programa do governo que financiava cursos de graduação no exterior. 

A maior concorrência de outros países também pesou, diz o diretor do serviço de consultoria CI Universidades, Humberto Costa. “Se antes os EUA representavam 90% da procura, hoje, caíram para 60%.” 
A redução do corpo de alunos internacionais tem uma consequência financeira imediata para as universidades americanas —em especial as menores, que não integram a elite da chamada “Ivy League”.

Normalmente, as mensalidades de um curso para alunos estrangeiros são maiores do que as para alunos locais. “É um subsídio, que na prática aumenta as matrículas dos alunos domésticos, e não o contrário, como muitos pensam”, diz o economista Kevin Shih, do Rensselaer Institute.

Também há consequências para o ambiente de aprendizado, que, com mais alunos internacionais, ganha em diversidade e “prepara melhor os estudantes para terem sucesso em um mercado global”, segundo a Nafsa. “Isso é crítico para o progresso numa sociedade democrática.”

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