Descrição de chapéu terrorismo

Dissolução do ETA não basta, afirma ex-integrante da facção

Para ex-membro que ficou oito anos preso, falta grupo terrorista basco se arrepender

Homem de casaco preto e calça jeans passa por esquina ao lado de mural com a bandeira basca e seis caricaturas de homens, com a expressão 'O povo quer viver' escrita em letra de imprensa branca sob fundo preto
Pichação em Bayonne, no sul da França, traz a bandeira do País Basco e a frase 'O povo quer viver', citando o fim do grupo terrorista ETA - Bob Edme - 3.mai.18/Associated Press
Bilbao

O grupo terrorista basco ETA, responsável por pelo menos 820 mortes com uma violenta campanha separatista contra a Espanha, foi definitivamente dissolvido nesta quinta (3). A facção havia sido fundada em 1959. Sua extinção, anunciada na véspera, foi comunicada oficialmente às 14h locais (às 9h em Brasília).

O veterano Teo Uriarte, 72, acompanhou as notícias com o interesse de quem é afetado diretamente. Ele fez parte da facção, o que o fez passar oito anos preso e rendeu uma condenação à morte na ditadura de Francisco Franco (1939-1975), depois anistiada. Arrependido, afastou-se de suas fileiras e se tornou, nas décadas recentes, um de seus críticos mais duros.

"Esse processo de dissolução vinha sendo gestado desde os anos 2000, quando o ETA demonstrou a sua incapacidade de continuar existindo", disse à Folha.

O fim da facção, ele avalia, é resultado das campanhas de detenções e também de seu isolamento político, tanto nacional quanto internacional.

Uriarte se uniu ao ETA em 1964 para participar de um movimento nacionalista violento que, àquela época, na ditadura, julgava ser uma causa justa. A organização queria a independência do País Basco —território que é parte da Espanha, mas tem identidade cultural bastante distinta.

"Rapidamente nos frustramos por termos perdido a nossa juventude nas prisões", contou. Detido em 1969, Uriarte foi condenado à morte em um julgamento sumário. Sua pena foi anulada após manifestações nas ruas e pressão internacional. Em 1977, ele foi anistiado, abandonou o ETA e entrou na política, pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). Passou, então, a militar pelo fim da facção.

Naqueles anos, o ETA recrudesceu a campanha e, com violentos ataques vitimando civis, perdeu boa parte do apoio popular. Seu primeiro carro-bomba foi armado em 1985 e, dois anos depois, um atentado com explosivos em um supermercado de Barcelona deixou 21 mortos. A facção disse ter sido um equívoco.

Para Uriarte, o anúncio da dissolução do ETA é insuficiente —ele não inclui um pedido de perdão a todas as vítimas, por exemplo.

A carta final do ETA também diz que sua razão de ser, a reivindicação de um País Basco independente, continua viva e precisa de solução. Outro ponto em aberto é a situação dos quase 300 membros da facção presos na Espanha e na França: a milícia pede que sejam perdoados, algo improvável.

Nesta quinta, o premiê espanhol, Mariano Rajoy, reiterou que a anistia não será debatida. "Façam o que for, não terão impunidade por seus crimes. Eles não conseguiram nada com assassinatos, tampouco conseguirão com essa propaganda", disse, referindo-se ao anúncio da dissolução.

Uriarte concorda. "Os presos têm que cumprir suas penas e, depois, recriminar o seu passado, assumindo sua culpa. Só assim teremos algum tipo de reconciliação nacional."

O desmantelamento do ETA foi acompanhado pela fundação Henry Dunant, especializada na resolução de conflitos. "O ETA deixou de existir", afirmou David Harland, diretor executivo da fundação, sediada em Genebra. "Mas falta um longo trabalho de reconciliação, que exigirá respeito e apoio a todas as vítimas."

O desmonte fora antecipado na quarta (2) com a divulgação de uma carta na qual a facção declarava sua extinção. O ciclo deve se encerrar formalmente nesta sexta (4) em uma cerimônia pública em Cambo-les-Bains, no sul da França. Partidos espanhóis planejam boicotar o ato.

Já as associações de vítimas e familiares enxergam com ceticismo o anúncio do ETA, que veem como estratégia para suavizar a imagem e se apresentar como atores políticos legítimos. Em manifesto lido na quarta em San Sebastián, País Basco, as vítimas negaram seu perdão à facção.

"É cinismo", disse à Folha Ana Iribar, 54, uma das presentes. Seu marido, o deputado basco Gregorio Ordóñez, foi morto em 1995 pelo ETA. "O que eles querem é abolir seu passado e seus crimes", afirma. "Mas o Estado espanhol precisa perseguir até o último dos terroristas."

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