Ex-guerrilheiro visa romper tradição na eleição presidencial na Colômbia

Gustavo Petro tenta chegar ao 2º turno em país sem histórico de progressistas competitivos

De blazer preto e camisa rosa claro, Petro sorri enquanto segura dois microfones; na lapela, um adesivo de campanha. O fundo é vermelho, com letras brancas.
O candidato esquerdista à Presidência da República Gustavo Petro conversa com apoiadores do Partido Liberal em evento em Bogotá - Henry Romero - 22.mai.18/Reuters
Sylvia Colombo
Bogotá

Que a Colômbia convive com a violência há várias gerações, o Nobel Gabriel García Márquez (1927-2014) já demonstrou com maestria em "Cem Anos de Solidão". O próprio Gabo, quando se falava das tantas negociações de paz do país, dizia: "Viva a paz, mas com os olhos abertos!".

As aparentes contradições de um país sempre violento, mas com tentativas repetidas de encontrar a paz com os diferentes grupos que a ameaçaram, servem de pano de fundo à trajetória de um personagem-chave da eleição presidencial do domingo (27).

Em segundo lugar e com fortes chances de ir ao segundo turno está nada menos do que um ex-combatente do M-19, Gustavo Petro, 58.

O M-19 foi uma guerrilha urbana com atuação de 1970 a 1990, quando virou um popular partido (Aliança Democrática) que elegeu congressistas e ajudou a redigir a Constituição de 1991.

A reportagem abordou diversos eleitores de Petro em Bogotá com a pergunta: como um país que tem tanta dificuldade em aceitar a paz com as Farc (50% ainda a rejeitam) pode eleger como presidente o ex-integrante de uma guerrilha letal?

As respostas variaram. "Todo mundo merece uma segunda chance", disse a vendedora de arepas (pão típico feito de milho) Liana Caro, 48.

"Ele não pertence às famílias tradicionais que governaram desde sempre a Colômbia" foi a resposta mais ouvida entre estudantes da Universidad de los Andes —o que mostra que o cansaço com as siglas consagradas também terá peso considerável nesse pleito.

Já o empresário Osório Clavijo, 52, afirmou que Petro mostrou que mudou, que vê a política de modo democrático. Para o livreiro Stefan Córdoba, 64, o período do esquerdista na Prefeitura de Bogotá (2012-2015) e no Senado atesta seu amadurecimento político.

Seus detratores, porém, colocam o dedo na ferida. Até o fim das ações do M-19, muito sangue rolou. O episódio mais dramático foi a invasão do Palácio da Justiça, em Bogotá, em 1985, quando guerrilheiros mataram mais de 50 pessoas, incluindo juízes da Corte Suprema.

O caso nunca foi de todo elucidado, mas há evidências de uma associação entre M-19 e cartel de Medellín, de Pablo Escobar (1949-1993).

Petro não participou desse ato. Para parte da população, no entanto, joga contra ele ter feito parte de uma guerrilha que causou tanto horror.

Com o passar do tempo, a desmobilização do M-19 foi vista como positiva pelos colombianos. Outro nome de respeito que integrou suas fileiras é o senador Antonio Navarro Wolff.

"O M-19 é um exemplo de por que vale a pena insistir em negociações como as das Farc e do ELN. Muito pode sair imperfeito, mas a democracia sai fortalecida quando se trocam as armas pelo debate", diz o parlamentar.

Ainda assim, o passado sempre volta a bater à porta de Petro. Outro presidenciável, o direitista Germán Vargas Lleras, acusa-o de ser financiado por dissidências das Farc e pelo ELN, guerrilha que protagoniza difíceis negociações de paz com o governo.

Também seus críticos —o mais duro deles, o ex-presidente Álvaro Uribe— insistem em afirmar que ele é chavista. Em discursos recentes, Petro enfatizou que simpatizava com Hugo Chávez no início, mas que hoje considera Nicolás Maduro um ditador.

A eleição de domingo será uma das mais polarizadas da história recente da Colômbia. Sem grande histórico de políticos progressistas na ponta da disputa, o país pode mandar para o segundo turno (em 17 de junho) o direitista e uribista Iván Duque e Petro.

Se o passado guerrilheiro está distante, o esquerdista não esconde a admiração por líderes de extração populista, como Jorge Eliécer Gaitán, assassinado em 1948, e Luis Carlos Galán, morto em pleno comício de campanha, em 1989.

O candidato os saúda constantemente para lembrar que líderes populistas progressistas sempre foram afastados do poder no país, pelo voto ou pela bala. E que, desta vez, ele pode fazer diferente.

 

Principais candidatos à Presidência da Colômbia

Iván Duque, 41 Afilhado do ex-presidente Álvaro Uribe, o senador do direitista Centro Democrático lidera as pesquisas, com 41,5%; é contra o acordo com as Farc

Gustavo Petro, 58 Ex-prefeito de Bogotá, o economista e ex-guerrilheiro do M-19 é a favor do acordo com as Farc e alvo de uma campanha tentando ligá-lo ao chavismo; está em segundo lugar, com 29,5%

Sergio Fajardo, 61 Ex-prefeito de Medellín e governador de Antioquia, pretende expandir seu modelo de recuperação da cidade para todo o país e aposta no cansaço dos partidos tradicionais; está em terceiro lugar, com 18%

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