'Fui atrás de uma história difícil e encontrei outra', diz repórter que escreveu sobre casal sírio

Patrícia Campos Mello debate seu "Lua de Mel em Kobane" com Clóvis Rossi

Os jornalistas Patrícia Campos Mello (esq) e Clóvis Rossi participam de debate sobre o livro "Lua de Mel em Kobane", da repórter especial - Avener Prado/Folhapress
Camila Gambirasio
São Paulo

Em viagens de cobertura de guerra e de outras situações de conflito, as chances de “tudo dar errado” para os jornalistas são sempre enormes, segundo a repórter especial da Folha Patrícia Campos Mello. "Você precisa ter um plano B, C, D, porque simplesmente nada dá certo."

Foi justamente um desses contratempos que a permitiu encontrar a história que serviria de base para seu livro “Lua de Mel em Kobane” (ed. Companhia das Letras, 192 págs., R$ 49,90), contou a jornalista durante debate sobre a obra, promovido na última segunda (21), pela Folha e pela Companhia das Letras, na livraria Fnac Pinheiros. O evento ainda teve a participação de Clóvis Rossi, repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha.

Patrícia disse que, em 2015, decidiu viajar para cobrir a situação na cidade síria de Kobane com o objetivo principal de entrevistar os avós de Alan Kurdi, menino sírio de três anos que morreu afogado no trajeto para a Grécia e virou símbolo da crise dos refugiados.

Mas, antes mesmo de cruzar a fronteira da Síria, descobriu que havia perdido o “fixer” que a acompanharia no país —um profissional nativo, geralmente um jornalista, que conhece bem o local, facilita o contato com as fontes e atua como guia, tradutor e motorista.

“Estava tudo dando certo, até que deu tudo errado. Sem um 'fixer', a pessoa que servirá como seu ‘termômetro político e cultural’ na região, o jornalista não passa de um turista mal informado”, disse a repórter.

No improviso, entrou em contato com Barzan Iso, um curdo sírio que, ao lado de sua esposa, Raushan Khalil, trabalhava como jornalista em uma Kobane completamente esvaziada de repórteres estrangeiros. Ele viraria, além de seu ajudante na região, inspiração para o seu livro.

“Saí daqui atrás da história do Alan Kurdi, que era é muito difícil, e encontrei também a história deles, que é de esperança”, disse Patrícia. 

Na obra, a autora faz um panorama do conflito na Síria a partir da história de amor de Barzan e Raushan, que se conheceram em 2014 pelas redes sociais enquanto estavam exilados, ele na Turquia, ela na Rússia.

Depois de finalmente se encontrarem, se declararam casados e se mudaram para Kobane, na época sitiada pelas forças do grupo extremista Estado Islâmico.

Para Patrícia, o que chamou a atenção foi que o casal não apenas tinha passado sua lua de mel em uma cidade cercada pelo grupo terrorista e sobrevivido, mas ainda conseguia se adaptar às adversidades e manter certo grau de normalidade em suas vidas

“Eles conseguiam fazer essas coisas que a gente faz, se apaixonar, casar, pensar em ter filhos. Podiam ser um casal de 30 anos de qualquer lugar, mas estavam vivendo literalmente no meio de uma guerra.”

Clóvis Rossi apontou a dificuldade de repórteres encontrarem histórias positivas em uma situação tão difícil.

"Quando um jornalista vai até um país em conflito, espera-se que ele volte com histórias de sangue e de dor. Mas ela voltou com uma história de amor, o que diz muito sobre a Patrícia", disse.

Embora o cerco do EI a Kobane tenha terminado no início de 2015, a cidade permanece destruída, já que a Turquia barra a entrada de materiais de construção. Os ataques continuam e a guerra na Síria não tem previsão de fim.

"Os curdos sírios têm uma noção muito clara de que enquanto todo o mundo está lá brigando, com tanto dinheiro envolvido, eles são o que menos importa", afirmou a repórter.

Segundo ela, ao passo que tudo indica que o ditador sírio Bashar al-Assad vencerá o conflito, é difícil conceber como seria seu governo após uma eventual vitória.

"Ele vai governar sobre o quê? Não se sabe se os curdos se submeterão a ele. Muçulmanos sunitas continuarão descontentes. Não sei se dá para simplesmente declarar que acabou, porque o momento pós-guerra é muito importante."

O conflito na Síria começou 2011 com uma revolta popular nos moldes da Primavera Árabe, motivado por uma "ânsia humana pela liberdade", de acordo com Rossi.

Se arrastando pelo seu sétimo ano, virou uma "clássica guerra de procuração", controlada por outras potências de acordo com seus próprios interesses, como explicou Patrícia. 

Para Rossi, "essa guerra só acaba quando todos os atores externos envolvidos chegarem em um acordo e declararem um fim".

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