Grupo terrorista ETA anuncia dissolução; leia íntegra da carta

Organização havia anunciado cessar-fogo em 2010 e entregou armas no ano passado

Cartaz é branco com letras vermelhas, sendo que abaixo da palavra ETA há uma área respingada de vermelho, emulando sangue; quem segura ele é uma mulher que aparece por trás do cartaz secando lágrimas com um lenço de papel
Mulher por trás de cartaz do grupo terrorista basco ETA em protesto contra organização em Madri em 2009 - Susana Vera - 31.jul.09/Reuters
São Paulo

O grupo terrorista basco ETA anunciou nesta quarta-feira (2) a sua dissolução após quase 60 anos de atividade pela separação do território da Espanha e da França, em cujos ataques morreram mais de 800 pessoas. A organização estava em cessar-fogo desde 2011.

Leia a íntegra da carta:

 

Caros (as) senhores (as):

Por meio deste comunicado, revelamos a decisão que o Euskadi Ta Askatasuna acaba de tomar. O ETA decidiu encerrar seu ciclo histórico e sua função, pondo fim ao seu percurso.

Assim, o ETA dissolveu completamente todas as suas estruturas e deu fim à sua iniciativa política.

Portanto, como consequência da virada estratégica em toda a esquerda abertzale [patriótica], o ETA executou o processo iniciado em 2010, com a intenção de abrir um novo ciclo político em Euskal Herria.

Nesse processo, as referências fundamentais foram a conferência de Aiete e o fim da violência armada, anunciado pelo ETA três dias depois, Foi um esforço para conseguir dar à época do confronto armado um final ordeiro, racional e construtivo.

A maioria de vocês pôde testemunhar diretamente aquela ocasião, e muitos de vocês impulsionaram firmemente o processo. Infelizmente, a Declaração de Aiete não pôde percorrer seu caminho, apesar de coincidir com a vontade da maioria dos cidadãos bascos. Os Estados francês e espanhol a tornaram impossível já desde o início.

Mesmo assim, o ETA decidiu seguir adiante. Além da Declaração de Aiete e de um hipotético processo de negociação, Euskal Herria foi o ponto de partida e o objetivo de toda sua atividade. Assim, foram cumpridos os compromissos assumidos até então, e novos compromissos foram assumidos. Em sua ação mais significativa, o ETA entregou ao povo as suas armas e deixou nas mãos da sociedade civil a responsabilidade pelo desarmamento.

O povo também é o receptor fundamental desta última decisão: porque o ETA se formou do povo e agora volta a ser povo.

Porque se fundamenta na confiança na força do povo.

E, sobretudo, porque quer fazer uma contribuição no caminho para a obtenção da paz e da liberdade em Euskal Herria.

Na prática, o ETA, com suas decisões nos últimos anos, apostou, com valentia e responsabilidade, em sacudir a situação das últimas décadas e em construir o futuro por um novo ponto de partida.

Essa decisão encerra o ciclo histórico de 60 anos do ETA. Não supera, no entanto, o conflito histórico que Euskal Herria tem com a Espanha e a França. O conflito não começou com o ETA e não terminará com o final de seu percurso.

Ao longo dos anos, foram realizados numerosos esforços para enquadrar o conflito político por vias racionais. Foram encetadas sessões formais de negociação, foram realizadas conversações secretas, inumeráveis propostas foram apresentadas. Não conseguimos chegar a acordos nem entre o ETA e o governo e nem entre os agentes bascos. É uma responsabilidade compartilhada, e o ETA assume a parte que lhe cabe.

A falta de vontade de solucionar o conflito, e as oportunidades perdidas, entre outras coisas, provocaram sua expansão e multiplicaram o sofrimento das diversas partes envolvidas. O ETA reconhece o sofrimento provocado como consequência de sua luta.

Euskal Herria terá agora uma nova oportunidade de encerrar definitivamente o ciclo de conflitos e construir um futuro para todos, Não repitamos os erros, não permitamos que os problemas se putrefaçam. Isso não seria mais que uma fonte de novos problemas.

Anos de confronto deixaram feridas profundas e elas precisam ser curadas adequadamente. Algumas continuam a sangrar, porque o sofrimento não é coisa do passado.

Por meio desta carta, e com toda humildade, o ETA quer lhes transmitir uma última opinião. Em sua opinião, a solução do conflito e a construção de Euskal Herria necessitam de todos vocês, porque o futuro é responsabilidade de todos.

Nós que fomos militantes do ETA, de nossa parte, desejamos confirmar o compromisso de embarcar totalmente nessa tarefa, cada qual do lugar que considerar mais oportuno, com a responsabilidade de sempre.

Euskadi Ta Askatasuna

ETA

Tradução de Paulo Migliacci

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