Não quero pena, mas que devolvam minha voz, diz sul-africana no Brasil

Condenada por tráfico de drogas, imigrante vira cantora e atriz e busca impedir sua expulsão

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Com tranças, Nduduzo Godensia Diamini aparece sob luz azul de perfil em frente à fachada iluminada do teatro municipal da Mooca, em São Paulo
A artista, cantora e dançarina sul-africana Nduduzo Godensia Diamini, 29, está em liberdade condicional e luta na Justiça para não ser deportada - Bruno Santos/Folhapress
São Paulo

A sul-africana Nduduzo Godensia Dlamini, 29, participa de espetáculos em São Paulo como cantora e também atriz, além de ensinar dança zulu. Acusada de ser mula (transportadora de drogas), foi condenada por tráfico, cumpriu pena, está em liberdade condicional e agora luta para não ser expulsa do Brasil. 

Leia seu depoimento à Folha

 

Eu sempre sonhei em conhecer o Brasil e decidi passar férias no Brasil em setembro de 2013, quando trabalhava no setor administrativo de um hospital. Já estava em São Paulo, com a passagem de volta comprada, quando uma amiga de infância da minha terra natal, a cidade de Durban, na província de Kwazulu-Natal, entrou em contato comigo. Ela queria que eu trouxesse uma caixa de perfumes que tinha de ser retirada em São Paulo.

Na hora de embarcar de volta para a África do Sul, comecei a notar que o procedimento de checagem da bagagem demorava além do normal. Eu achei estranho, era um procedimento que eu conhecia porque já tinha trabalhado dois anos como aeromoça.

Em seguida, eu fui abordada por agentes da Polícia Federal e detida —sem saber falar uma palavra em português. O pacote que a minha pediu continha drogas e eu passei a responder por tráfico. Nunca imaginei que o conteúdo não fosse perfume.

Só depois de meses na carceragem, em janeiro de 2014, pude contar a minha versão para um defensor.

Eu não falava nem oi nem tchau em português e a pessoa que foi indicada para me ouvir não compreendia o que eu falava [o defensor público Rodrigo Maiaroti esclarece que fala inglês e que, ainda que houvesse alguma dificuldade na comunicação, na ocasião havia um tradutor, assim como ocorre nas entrevistas com imigrantes, e que a versão de Nduduzo consta no processo].

No final fui condenada inicialmente a seis anos e 22 dias em regime semiaberto. Depois, na segunda instância a pena foi elevada para sete anos, nove meses e dez dias e em regime fechado. A Defensoria Pública teve recurso negado no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Apesar de todas as dificuldades que vivi, eu tive uma chance que outras pessoas não têm. Na penitenciária feminina em São Paulo aprendi o português por conta própria, por meio de livros, e passei a participar do projeto Coral- USP, desenvolvido com a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) apoiado pela Pro Reitoria de Cultura.

Com uma professora do coral aprendi que tinha o talento para cantar, e a música desde então passou a ser um alívio para o peso da condenação.

Foi graças ao trabalho que desenvolvi dentro da prisão e de advogados de uma instituição, que apresentaram um recurso em 2016, que consegui a diminuição da minha pena e a liberdade condicional no ano passado. Ao sair, tive auxílio da professora do coral para recomeçar. 

Desde então, passei a participar de espetáculos em São Paulo, como cantora e também atriz, além de ensinar dança zulu, que é típica do meu país, a África do Sul, e colaborar num grupo de pesquisa ligado à ECA-USP.

A minha rotina como artista, porém, é limitada pela perspectiva de ter que deixar o país.

O Brasil tem um pedaço de mim e também estou ganhando um pedaço do Brasil, que quero mostrar para a África do Sul.

Como parte do processo por tráfico, recebi em fevereiro uma ordem de expulsão da estou recorrendo para não ter de sair do país.

Tenho esperança de que a minha ressocialização seja considerada pela Justiça e que o decreto de expulsão seja revogado, hipótese prevista pela nova Lei de Migração e também pelo sistema internacional de direitos humanos, segundo os meus advogados.

Espero que tirem minha expulsão e deem minha voz. É importante que as pessoas não fiquem com pena, porque não adianta nada. O que precisamos é oportunidade.

 

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