Nicarágua enfrenta estado de euforia, insurreição e medo, diz opositor

Carlos Fernando Chamorro diz que aliados do presidente Daniel Ortega aderiram aos protestos

Os fogos são disparados por dois homens, que estão agachados; atrás deles, grupo de manifestantes com bandeiras da Nicarágua, alguns deles mascarados, outros com morteiros similares ao usado para disparar os fogos na mão
Manifestantes usam instrumento de fabricação caseira para atirar fogos durante protesto contra o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, em Manágua nesta quarta-feira (9) - Oswaldo Rivas - 9.mai.18/Reuters
Buenos Aires

Depois da terceira grande manifestação contra o governo de Daniel Ortega, 72, nesta quarta-feira (9), a Nicarágua vive um “estado de euforia e de insurreição popular, ao mesmo tempo em que a população enfrenta muito medo por conta da perspectiva de mais repressão por parte do Estado”.

É o que conta à Folha, por telefone, Carlos Fernando Chamorro, opositor ao governo, filho da ex-presidente Violeta Chamorro (1990-1997) e diretor do jornal digital independente “El Confidencial”.

Os distúrbios na Nicarágua começaram há três semanas, quando, convocados inicialmente por estudantes universitários, cidadãos saíram às ruas em centenas de milhares para rebelar-se contra um ajuste no sistema previdenciário e um aumento de impostos que o governo havia decidido. 

Nos últimos tempos, as medidas do Executivo são automaticamente aprovadas pelo Congresso, uma vez que a oposição foi impedida de participar das últimas eleições.

Os enfrentamentos de rua foram violentos, causando um saldo de pelo menos 43 mortos, centenas de feridos e mais de 20 desaparecidos.

Ortega, então, voltou atrás e desistiu da medida. Porém, as manifestações e a repressão continuam e vêm atraindo cada vez mais gente, desta vez levantadas contra a onda de violência protagonizada tanto pela polícia como por uma milícia ligada ao governo, a Juventude Sandinista. 

Vídeos que circulam nas redes mostram oficiais armando esses jovens com cassetetes e pedras para atacar os manifestantes. Um jornalista foi morto enquanto fazia uma transmissão ao vivo.

A OEA (Organização dos Estados Americanos) pediu para enviar uma comissão para avaliar a repressão aos protestos, mas o governo não permitiu. Familiares das vítimas disseram à mídia local que apenas recebiam os corpos de seus parentes depois de garantir que não prestariam queixas. A maioria dos mortos é de jovens de menos de 25 anos.

“Agora estão todos na rua, inclusive os empregados de empresas que antes eram aliadas ao governo estão liberando seus funcionários para participar das mobilizações, então há estudantes, funcionários, aposentados, e gente do interior do país, que vem vindo apenas para participar”, conta Chamorro.

A população do interior que veio se somar aos protestos na capital, Manágua, é formada por camponeses e indígenas que são contra o projeto de construção de um canal similar ao do Panamá, concedido a uma empresa chinesa, sem licitação e que danificaria lagos e destruiria aldeias e vilarejos.

A reivindicação generalizada que se vê nos cartazes e nos gritos de guerra é um pedido de renúncia tanto do presidente como de sua vice, que é também sua mulher, Rosario Murillo. 

Entre os manifestantes, estão alguns mais violentos, que têm queimado e derrubado as chamadas “árvores da vida”, uma espécie de símbolo do governo, colocadas em várias avenidas por ordem de Murillo para sinalizar que a Nicarágua vive em paz.

Ortega ficou conhecido por ter participado da revolução que retirou do poder a dinastia do direitista Anastasio Somoza, na Revolução Sandinista de 1979. Até 1990, primeiro como coordenador da Junta de Reconstrução Nacional e depois como presidente, Ortega governou a Nicarágua. 

Perdeu, então, as eleições seguintes para uma ex-apoiadora do sandinismo, Violeta Chamorro, mas voltou mais tarde ao poder, através das urnas, em 2007.

Ortega é o presidente desde então, tendo-se transformado de ícone marxista latino-americano num autocrata, que avançou sobre a Justiça e as Forças Armadas, eliminou as restrições para reeleições e proibiu os partidos opositores de competir em eleições.

Até pouco tempo atrás, mantinha-se firme no poder, devido ao apoio da Igreja Católica, do Exército, do empresariado e de uma vultosa ajuda financeira e por meio de petróleo que vinha da Venezuela. O país crescia 4,5% ao ano.

“Uma série de fatores causou o desgaste e, por fim, essa explosão social”, explica Chamorro. “Primeiro, o fato de não termos mais a colaboração venezuelana, que permitia programas de assistência social que mantinha a população apoiando o governo. Depois, os empresários se afastaram, vendo que as perspectivas de crescimento econômico estão caindo. Junto a isso, a insatisfação popular com as restrições civis e da liberdade de expressão."

A Igreja, diante das mortes causadas pela repressão, também retirou seu apoio ao governo e agora pede um “diálogo nacional” entre Ortega e a oposição.

“O que temos agora é apenas esse estado de alteração de ânimos, e ninguém sabe bem como sair disso, porque se ambos renunciam, a linha de sucessão indica que quem assume é o líder do Congresso, que é de seu partido. O ideal é forçar que Ortega convoque eleições agora.”

Enquanto isso, ironicamente, quase 40 anos depois da Revolução Sandinista, o grito de guerra nas ruas de Manágua é “Ortega, Somoza, son la misma cosa” (Ortega e Somoza são a mesma coisa).
 

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