Presidente francês evita fantasmas de Maio de 1968

Macron enfrenta manifestações contra reformas enquanto país relembra os 50 anos de movimento

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Manifestantes vestidos de preto seguram faixa que diz "Macron nos deixa furioso" enquanto participam de ato de 1º de maio em Paris
Manifestantes com faixa que diz "Macron nos deixa furioso" participam de ato de 1º de maio em Paris - Thomas Samson/AFP
Paris

Estudantes franceses fecham ruas no Quartier Latin, em Paris, e ocupam importantes universidades, como a Sorbonne, em protesto contra o governo. Funcionários da estatal de transportes ferroviários SNCF fazem meses de greve contra reformas e privatizações. Trabalhadores da Air France param para exigir aumento, e aposentados se mobilizam cada vez mais contra o governo.

O clima lembra o início das icônicas manifestações de Maio de 68, mas é a França de Emmanuel Macron, 40, cinco décadas mais tarde, na entrada de maio de 2018.

Pela primeira vez, o presidente que governa a França ainda não era nascido quando uma manifestação de estudantes de seu país abriu espaço para um dos maiores movimentos socioculturais do século 20, se espalhando por várias partes do mundo. 

Ao completar um ano no poder, Macron, neófito político, enfrenta a crescente mobilização em torno de reformas que tenta aprovar. A disputa cria um debate nacional sobre o projeto político para a França e o significado da manifestação de 50 anos antes.

A comparação entre o cenário de 1968 e o deste ano foi reforçada por artigo da diretora do jornal Le Monde, Sylvie Kauffmann, no New York Times. “A primavera está no ar, e as greves estão de volta”, disse, chamando Maio de 68 de “revolução cultural”.

“Como a maioria das nações ocidentais de hoje, a França está dividida e ansiosa. O presidente, em uma missão para transformar seu país, agora experimenta o descontentamento em primeira mão”, diz.

Segundo analistas, Macron enfrenta sua primeira crise séria e sabe que, se perder essa batalha, sua agenda de reformas poderá ser derrotada. 

E no cenário de disputas, Maio de 68 continua sendo um dos eventos políticos que mais marcaram os franceses, o que torna a lembrança um momento para novos protestos importante.

Pesquisa recente da New Literary Magazine revela ainda que 79% dos entrevistados acham positivo o legado do movimento. 

“Nós pensamos muito em maio de 68”, disse Marianne Kli, 19, estudante de história da arte, em entrevista à agência Reuters em meio a protestos nas últimas semanas.

Mesmo assim, o contexto de 2018 é diferente, e Macron não está totalmente isolado.

Segundo pesquisa publicada em abril, a maioria dos franceses apoia os projetos de reforma do presidente como meio de combater o desemprego, que passa de 9%.

Em resposta aos protestos, Macron assumiu tom firme e rejeitou recuos. “Os profissionais da desordem devem entender que existe lei e ordem neste país.”

O presidente nem sempre esteve tão decidido. Poucos meses após sua eleição, em 2017, Macron chegou a cogitar a organização de um evento para marcar o cinquentenário. 

Em outubro, segundo o jornal L’Opinion, o presidente avaliou celebrar o aniversário dos protestos deixando de lado discursos “sombrios” e rompendo com a imagem de Nicolas Sarkozy, que, quando presidente, falou em “liquidar o legado de maio de 68”.

Um mês depois, entretanto, o governo anunciou que não haveria comemoração oficial.

Maio de 68 “é passado”, disse Macron em uma entrevista à Nouvelle Revue Française dias antes do início do mês.

“Foi, cinquenta anos atrás, um momento de confronto com o poder. Isso corresponde a um momento histórico que teve seus fundamentos e sua atualidade. Hoje, estamos experimentando algo muito diferente na relação entre sociedade e poder. Maio de 68 foi um momento. Ele passou. Estamos em outra configuração”, disse.

Para historiadores debruçados sobre a análise do significado e do legado dos movimentos de então, tanto os críticos do presidente que associam o momento ao de 1968 quanto Macron estão certos.

“Os jovens em 2018 têm demandas muito limitadas na França”, avalia o historiador Eric Alary em entrevista à Folha. Professor da Sciences Po, ele diz que os movimentos sociais não são poderosos o suficiente para atrair mais jovens e idosos para as ruas hoje, como cinco décadas atrás.

“No entanto, o descontentamento social vem acontecendo há muito tempo e pode ser contagiante, tornando-se algo maior”, disse.

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