Protesto na faixa de Gaza tem confronto e 58 palestinos morrem

Milhares de pessoas participaram do ato contra a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém

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Yan Boechat
Gaza | Reuters e Associated Press

Uma série de confrontos entre tropas israelenses e manifestantes palestinos por ocasião da abertura da Embaixada dos EUA em Jerusalém deixou ao menos 58 mortos, todos do lado árabe, nesta segunda-feira (14), na fronteira da faixa de Gaza com Israel.

Trata-se do maior número de vítimas em território palestino desde 2014. Segundo o Ministério da Saúde local, 2.700 pessoas ficaram feridas, quase metade delas por armas de fogo.

As manifestações de segunda se inserem na sequência de atos semanais iniciada em 30 de março e conhecida como Grande Marcha do Retorno.

O último deve acontecer nesta terça (15), quando os palestinos marcam o que chamam de Dia da Desgraça, em que mais de 700 mil pessoas foram expulsas de suas terras após a criação do Estado de Israel, em 1948. Ao longo do último mês e meio, 104 palestinos morreram e 12 mil ficaram feridos. 

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, disse na segunda que a ação de seu Exército se ateve à autodefesa. Já Washington responsabilizou a facção extremista Hamas, que controla Gaza há mais de dez anos, pelos incidentes (leia mais abaixo sobre a reação internacional).

A menos de 100 km do cenário de guerra de Gaza, uma audiência selecionada de 800 pessoas comemorava a transferência da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém. Na cerimônia, Netanyahu citou passagens do Velho Testamento para justificar o que disse ser um direito do povo judeu a ter em Jerusalém sua capital.

Durante o evento, não houve nenhum comentário sobre o que acontecia em Gaza. Por vídeo, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que Israel tem o direito de escolher qual é sua capital.

A decisão de transferir para Jerusalém a mais importante representação diplomática de Washington em Israel não foi o único motivo para mais de 40 mil palestinos irem às ruas.

Gaza passa por sua pior crise econômica desde que Israel impôs um bloqueio ao enclave palestino. Quase 50% da população não tem emprego, as condições de infraestrutura se deterioram a cada dia, e hoje os moradores têm apenas quatro horas diárias de eletricidade. De acordo com a ONU, se algo não for feito, a área entrará em colapso nos próximos anos.

As dificuldades enfrentadas pelos moradores de Gaza não são responsabilidade exclusiva de agentes externos. As duas principais facções políticas palestinas, Fatah (que controla a Cisjordânia) e Hamas, protagonizam uma espécie de guerra silenciosa.

O Fatah, de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), tem tentado de todas as formas enfraquecer o adversário para que o grupo abra mão da administração de Gaza. Para isso, a ANP decidiu cortar os salários dos servidores do enclave.

“Não há mais dinheiro no comércio, não há dinheiro nem para comer mais. Nunca vivemos um momento tão ruim. Nem na guerra em 2014 as coisas eram tão complicadas”, diz Abdulah Issa, dono de um pequeno estande de frutas no principal mercado da cidade de Gaza.

Sem dinheiro, sem perspectivas e enclausurados em uma área um pouco maior do que a cidade de Osasco, milhares de jovens palestinos enfrentam soldados israelenses como se nada tivessem a perder.

Em uma sociedade em que o martírio é de certa forma a maneira mais rápida e eficaz de ascensão social e reconhecimento, muitos dos atingidos pelas balas israelenses se mostravam contentes pelos incidentes.

“Cumpri meu destino, Deus sabe o que faz. Estou disposto a dar minha vida para que nós possamos retornar para as terras que nos roubaram”, afirma Mohamed Saleh, de 21 anos, que teve parte de sua panturrilha esquerda destruída por uma bala de fuzil.

No quarto do hospital Al-Shifa, onde ele estava internado, os amigos se reuniam e faziam graça com o jovem.

Assim como a maior parte dos atingidos pelos disparos de tropas de Israel, Saleh tentou infligir danos aos soldados com pedras atiradas por estilingues. Alguns, mais ousados, buscaram romper a cerca elétrica que divide Israel da faixa de Gaza.

Nos três mais recentes protestos, a reportagem não viu manifestantes com armas de fogo. Membros do Hamas estavam presentes, mas não tomaram parte ativamente nos enfrentamentos.

Após receber dezenas de pacientes baleados no fim da manhã de segunda, uma enfermeira do hospital Al Quds, a poucos quilômetros do local dos protestos, tentava reorganizar o local de atendimento. Resignada, disse à reportagem: “Não se espante, isso é Gaza. Sempre foi assim, sempre será”.

Alemanha, França, Turquia e outros países condenaram o uso de munição letal por Israel para conter o protesto de palestinos na Faixa de Gaza e pediram ao Estado judaico que exerça moderação ao lidar com os manifestantes.

“O direito a um protesto pacífico também deve se aplicar a Gaza”, afirmou uma porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. “Israel tem o direito de se defender e de assegurar suas fronteiras contra intrusões violentas, mas o princípio da proporcionalidade se aplica.”

Isso significa, disse ela, que o uso de munição letal só deve ocorrer quando outras formas de contenção se mostrarem ineficazes e ameaças específicas estiverem presentes.

“Pedimos calma e moderação para evitar ações destrutivas aos esforços de paz”, declarou um porta-voz da primeira-ministra britânica, Theresa May.

“A França mais uma vez apela às autoridades israelenses para que exercitem o discernimento e a contenção no uso da força”, disse o chanceler Jean-Yves Le Drian.

“Pedimos a todas as partes que ajam com a máxima moderação, a fim de evitar mais perdas de vidas humanas”, afirmou a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.

Ela lembrou a “posição clara e unida” da UE, segundo a qual a transferência de embaixadas de Tel Aviv para Jerusalém não deveria acontecer até que o status da Cidade Santa seja acertado em uma resolução de conflito.

Questionado sobre se a transferência da representação americana faz a Rússia temer um agravamento da situação na região, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, respondeu afirmativamente.

“Estamos convencidos de que não devemos reverter unilateralmente as decisões da comunidade internacional. E o destino de Jerusalém deve ser decidido pelo diálogo direto com os palestinos”, disse o chanceler russo, Sergei Lavrov.

“Amaldiçoamos o massacre realizado pelas forças de segurança israelenses contra palestinos participando de uma manifestação pacífica”, afirmou em nota o governo do premiê turco, Recep Tayyip Erdogan. 

Ele classificou a ação das forças de Tel Aviv como um genocídio perpetrado por um “Estado terrorista”.
“A chocante morte de dezenas e os ferimentos em centenas por disparos de Israel em Gaza devem parar imediatamente, e a comunidade internacional deve levar os responsáveis à Justiça”, afirmou o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos,  Zeid Ra’ad al Hussein. “O direito à vida deve ser respeitado.”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar “particularmente preocupado” com a situação em Gaza. O Conselho de Segurança da entidade deve se reunir nesta terça (15) para tratar do agravamento da situação na região fronteiriça.

A Anistia Internacional denunciou uma “violação abjeta” dos direitos humanos e “crimes de guerra” em Gaza, enquanto a Human Rights Watch (HRW) classificou os episódios de segunda como “banho de sangue”.

 
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