Putin mira problemas domésticos em discurso de posse

Presidente assume quarto mandato no Kremlin com crise econômica crescente e pressão externa

São Paulo

Vladimir Putin assumiu nesta segunda (7) o quarto mandato como presidente da Rússia com um discurso que mirou os crescentes problemas domésticos da Rússia, desviando de sua recente retórica inflamada contra o Ocidente. “Nossa principal tarefa nos próximos anos será aumentar a renda real dos cidadãos”, afirmou.

Putin discursa na posse do seu quarto mandato presidencial no Kremlin, em Moscou
Putin discursa na posse do seu quarto mandato presidencial no Kremlin, em Moscou - Xinhua/Sputnik

Sua primeira medida no novo mandato foi a de indicar a permanência do desgastado Dmitri Medvedev como primeiro-ministro, um sinal contraditório para quem promete mudanças.

Putin havia sido reeleito de forma consagradora, com 76,7% dos votos, em 18 de março. Com 67% de comparecimento e a vitrine da Copa do Mundo de futebol à frente em junho, tudo parecia desenhado para consagrar o governante que está no poder desde 1999, contando seus dois mandatos como primeiro-ministro, e só sairá constitucionalmente do Kremlin em 2024.

De março para cá, contudo, os problemas em sua mesa se acumularam: o rublo sofreu forte desvalorização, novas sanções americanas começaram a atingir mais duramente a economia, países ocidentais se uniram na acusação de que o Kremlin envenenou um ex-espião russo e sua filha na Inglaterra e também promoveram um ataque militar à sua aliada Síria.

Para coroar a má fase, um incêndio matou 64 pessoas em um shopping na Sibéria —como no Brasil, o presidencialismo russo traz qualquer problema local para a porta do mandatário máximo.

 

No sábado (5), houve os primeiros grandes protestos contra Putin em quase um ano. Não tão grandes como os registrados em 2017, mas com o mesmo protagonista (o blogueiro Alexei Navalni) e desfecho (1.600 pessoas presas). Navalni e os seus aliados foram soltos ao longo do fim de semana, indicando uma trégua superficial por parte das autoridades.

Os problemas econômicos russos são prementes. A renda citada por Putin está em queda neste ano: começou 2018 em uma alta de 10% e está agora na casa dos 6%, segundo o Serviço Federal de Estatísticas.

A crise do rublo de 1998 traumatizou a Rússia com um crescimento negativo de 40% da renda, que foi reposta a partir de 2000, com Putin já no poder. Mas entre 2014 e 2016, devido à combinação de sanções ocidentais e queda no preço do petróleo, ela ficou em -10%. O PIB do país deve patinar na casa dos 2%, após uma breve recessão, até 2020.

Segundo pesquisa publicada nesta segunda pelo instituto independente Levada, a desigualdade de renda é o principal ponto fraco da gestão de Putin à frente do país. Para 45% dos ouvidos em abril, o presidente fracassou nesse item.

Do lado positivo, 47% apontam que Putin restaurou o papel da Rússia como um ator importante no cenário mundial, após os anos de crise e humilhação após o fim da União Soviética em 1991. Outro instituto, o estatal VTsIOM, apontou também nesta segunda que 82% dos russos aprovam o governo do presidente.

Em uma fala notadamente sem acusações aos inimigos externos, outra sinalização importante em tempos de crise política aguda em várias frentes, Putin falou em manter os valores da família russa e assumiu um tom messiânico sobre sua missão.

“Estou muito ciente de minha responsabilidade colossal com vocês, todo nosso povo multiétnico. Eu acredito que meu dever e o sentido de toda a minha vida é fazer tudo pela Rússia, por seu presente e futuro prósperos e pacíficos, para preservar nosso grande povo, pelo bem-estar de cada família russa”, disse.

O poderio militar russo, sua principal bandeira durante a campanha eleitoral com o famoso discurso em que apresentou uma nova geração de armas nucleares, foi citado mais lateralmente. “A Rússia é forte, ativa e influente nos assuntos mundiais. Sua segurança e defesa estão bem garantidas. Nós continuaremos a dar atenção a esses assuntos.”

NOVO GABINETE

Analistas políticos russos consideram que a composição final do novo gabinete de Putin, com Medvedev à frente, será central para entender o rumo que ele dará para a resolução dos problemas internos. A principal expectativa é sobre a volta ou não de Alexei Kudrin, que já foi ministro das Finanças, ao governo.

Ele elaborou a pedido de Putin um programa liberal mais agudo, com reforma previdenciária para atacar problemas fiscais. Também por encomenda do presidente, uma versão mais populista de recuperação econômica foi desenhada por Boris Titov, um candidato nanico derrotado no pleito de março. 

Medvedev terá uma semana para formar todo o ministério e submetê-lo ao Parlamento, uma mera formalidade na Rússia putinista. Tendo sido alvo preferencial da campanha anticorrupção de Navalni no ano passado e travando uma disputa surda com o poderoso Igor Setchin, presidente da petroleira Rosneft, Medvedev chegou a ser dado como morto politicamente.

Sua ressurreição, contudo, não indica necessariamente que o político de 52 anos retomará seu papel de sucessor indicado por Putin que já ocupou no passado. Ele é muito impopular, e a especulação é de que permaneça cerca de dois anos no cargo até que um novo nome seja indicado para seu cargo. Uma série de nomes de tecnocratas jovens vem sendo sugerida para a missão, mas ninguém arrisca de fato saber como será feita tal transição.

Vladimir Vladimirovitch Putin, 65, domina a política russa desde que foi apontado premiê por Boris Ieltsin em agosto de 1999. No dia 31 de dezembro do mesmo ano, o presidente renunciou e passou os poderes a ele, eleito meses depois pela primeira vez.

Ex-coronel da temida KGB e chefe do principal serviço secreto que a sucedeu, o FSB, Putin era jovem e trazia um discurso de lei e ordem que capturou o eleitorado. Além disso, garantiu uma recuperação econômica ao surfar na onda das commodities dos anos 2000 —a Rússia é grande produtora de petróleo e gás.

Enfrentou uma miríade de problemas internos, como terrorismo islâmico, e empenhou-se em reformatar as Forças Armadas russas. Após anos de descaso, elas aos poucos entraram no século 21 e puderam projetar poder de forma limitada, com a intervenção na guerra civil síria sendo sua jogada mais ousada.

Deu certo até aqui, com manutenção do ditador amigo Bashar al-Assad no poder, mas o recente ataque liderado pelos EUA contra o regime de Damasco e o crescente risco de embate entre Israel e Irã no país árabe mostraram os limites da força de Putin.

De todo modo, salvo durante o auge da crise de 2008 e na recessão de 2014-16, Putin melhorou o padrão de vida russo e viu crescer uma classe média urbana. Com isso, reelegeu-se em 2004 e elegeu Medvedev presidente em 2008, assumindo o papel de governante “de facto” como premiê até 2012, quando voltou à Presidência.

As regras mudaram e o mandato passou a ser de seis anos a partir do pleito de 2018, o que garantirá a Putin o título de governante mais longevo da Rússia pós-imperial desde o ditador soviético Josef Stálin.

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