Saída dos EUA de acordo com Irã aproxima Rússia e Europa, diz especialista

Historiador Dmitri Trenin vê oportunidade de união para estabilizar Síria e amenizar sanções

Grupo de quatro pessoas junta paus com bandeiras americanas ao lado de fogo; elas aparecem da cintura para baixo
Manifestantes queimam bandeiras dos EUA em protesto contra a decisão de Donald Trump de tirar o país do acordo nuclear com o Irã em protesto em frente à antiga embaixada americana em Teerã - Vahid Salemi - 9.mai.18/Associated Press
Marco Aurélio Canônico
Rio de Janeiro

Isolada politicamente em relação ao Ocidente desde a crise da Ucrânia, em 2014, a Rússia tem agora uma brecha para se reaproximar das potências europeias, graças à saída dos EUA do acordo nuclear multilateral com o Irã.

Essa é a opinião do historiador russo Dmitri Trenin, 62, ex-coronel do Exército e atual diretor do Carnegie Moscow Center —braço do think tank homônimo, de Washington.

“Estamos em uma confluência interessante nas relações russas com o ocidente, em que o Reino Unido, a Alemanha e a França estão mais próximos da Rússia do que dos Estados Unidos de Trump”, disse Trenin à imprensa, na manhã desta quinta (10), no Rio. 

“É uma oportunidade para a Rússia se aliar aos demais signatários do pacto com o Irã, incluindo os três europeus e a China.”

O especialista, que participou de evento promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebrin), na Escola de Guerra Naval, vê também uma oportunidade de ação conjunta dos países para estabilizar a Síria, com a Rússia atuando na reconciliação política do país e os europeus, em sua reconstrução.

“Isso demandaria que russos e europeus fizessem concessões uns aos outros, mas é viável.”

Segundo Trenin, apesar de apoiar o Irã, com quem compartilha interesses na Síria, o governo de Vladimir Putin é neutro nas disputas dos iranianos contra Israel e a Arábia Saudita

“Alguma presença do Irã na Síria é inevitável, ele deveria ser parte do balanço de poder naquela parte do Oriente Médio. Uma conexão entre Irã, Iraque e Síria, rumo ao Líbano é ok, desde que não seja algo que Israel considere uma ameaça.”

O historiador lembrou que Putin reuniu-se com o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, na quarta (9), horas antes de Israel bombardear alvos iranianos na Síria.

“Há uma diferença entre os EUA bombardearem a Síria como uma demonstração de poder e Israel fazer o mesmo por questões de segurança. Para a Rússia, há limites para o que iranianos e israelenses podem fazer na Síria. Proteger sua segurança nacional está ok, qualquer outra coisa é ir além do que deveria.”

Em sua palestra, o russo afirmou que em seu recém-conquistado quarto mandato, Vladimir Putin tem como desafio reerguer a economia russa e aprovar reformas impopulares, como a da Previdência.

“Hoje, a economia do país é fraca. O crescimento voltou, após um período de recessão, mas está muito aquém do que o país precisa e pode entregar. É particularmente preocupante que tenhamos perdido nossas capacidades científica e tecnológica, que tínhamos até 20 anos atrás.”

Outra meta do presidente russo, segundo Trenin, é preparar o cenário para sua sucessão, dado que, ao fim de seu mandato, em 2024, não poderá se reeleger. 

“É um período que vai determinar que Rússia será herdada por quem suceder a Putin, independentemente de sua orientação política. Sua principal missão é preparar a nova geração de políticos que vai assumir o país.”

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