Descrição de chapéu The New York Times

Saúde de ex-presidente dos EUA George Bush pode ter piorado por coração partido

Ex-mandatário teve complicações e foi internado um dia após a morte da esposa

Benedict Carey Gina Kolata

Foi um coração partido que levou o George H. W. Bush, o 41º presidente dos EUA, ao hospital um dia apenas após o funeral de sua esposa, Barbara?

Os Bush foram casados por 73 anos. Eram aliados, confidentes um do outro e as âncoras de uma dinastia política. Na terça-feira circularam especulações que a morte de Barbara Bush deve ter mergulhado o ex-presidente numa espiral médica descendente.

Pesquisadores médicos já relataram casos de problemas de saúde que acompanham o luto, especialmente após a perda de um cônjuge. Mas, se esse vínculo de fato existe –o que muitos especialistas não acreditam--, ele parece ser bastante raro.

 

Essa ideia “agrada ao nosso senso romântico”, disse Donald Berry, estatístico do MD Anderson Cancer Center, em Houston.

“O fenômeno se deve em grande medida à memória seletiva”, ele acrescentou. “Todos conhecemos casos de maridos e mulheres que morreram com menos de uma semana de distância entre um e outro. Esses casos se fixam na nossa memória.”

Bush teria apresentado uma infecção que se agravou seriamente e estaria bastante frágil, observaram Berry e outros especialistas. Uma série de fatores pode ter contribuído para sua hospitalização.
Isso não significa que o luto profundo não possa, em ocasiões raras, colocar o organismo em queda livre.

A mais conhecida dessas razões é a chamada síndrome do coração partido, usada como modelo para entender esses fenômenos.

Médicos japoneses foram os primeiros a propor uma descrição detalhada da reação, e o nome que deram a ela é ainda mais evocativo: síndrome de Takotsubo, ou “armadilha de polvo” em japonês. Nas tomografias de pessoas enlutadas, em profundo sofrimento, o coração pode ter a aparência de estar sendo comprimido de baixo para cima; suas cavidades superiores ficam inchadas, como se estivessem fazendo força para escapar.

A perda repentina de um cônjuge, filho, pai ou mãe “desencadeia uma efusão do sistema nervoso simpático, a resposta de luta ou fuga, que é o que parece danificar o coração na síndrome do coração partido”, disse a dra. Anne Curtis, diretora de medicina na Universidade de Buffalo.

“O ritmo cardíaco sobe de modo acentuado, a pressão sanguínea, também”, ela disse. “É por isso que as pessoas também podem sofrer um AVC em situações como essa.”

A armadilha do polvo pode enrodilhar qualquer coração, sadio ou não, jovem ou velho. A enxurrada repentina de hormônios do estresse provoca um enfraquecimento temporário do próprio músculo cardíaco. Pode também precipitar um ataque cardíaco clássico, em que um coágulo bloqueia o fluxo de sangue, ou uma arritmia, em que o coração dispara violentamente. As duas últimas consequências são mais raras e mais mortíferas que a primeira.

A dra. Curtis estima que 1% dos ataques cardíacos notados se devem à síndrome do coração partido ou surtos semelhantes de emoções que geram estresse. “Dizemos às pessoas que muitas vão voltar a ter função cardíaca normal ou quase normal”, ela falou.

No primeiro grande estudo americano do fenômeno, médicos da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins estudaram 18 mulheres e um homem que receberam atendimento coronariano por apresentarem dores no peito sem sinais clássicos de parada cardíaca após sofrer eventos traumáticos, incluindo a morte de um cônjuge. A maioria tinha meia-idade ou era mais velha, mas duas das pessoas eram adultos jovens. Todas as 19 pessoas sobreviveram.

Desde que essa pesquisa foi publicada, milhares de outros casos foram informados. Cerca de 90% envolvem mulheres de meia-idade ou mais velhas, segundo o dr. Ilan Wittstein, que dirigiu o estudo original.

Uma razão possível disse é que os níveis de estrogênio, que protege os vasos sanguíneos menores, diminuem com a idade. “Mesmo assim, 10% dos casos envolvem homens, de modo que isso é algo que pode acontecer com qualquer pessoa”, disse Wittstein.

Se o que derrubou George H.W. Bush foi uma infecção que se agravou, conforme foi informado, então, teoricamente falando, uma onda de tristeza pode ter provocado o deterioramento de sua condição.

Estudos já vincularam níveis elevados de cortisol, o hormônio do estresse, a um risco aumentado de contrair gripes, resfriados e outras doenças.

“Muitas coisas acontecem quando as pessoas são dominadas pela tristeza –alterações neuroendócrinas, que incluem uma elevação dos níveis de cortisol, podem suprimir a resposta imunológica”, disse Wittstein.
Mesmo assim, não é fácil traçar uma linha reta entre a morte de um cônjuge e o subsequente declínio físico do cônjuge sobreviventes. É difícil comprovar causa e efeito.

É muito possível que um marido ou esposa enfermos com 90 anos ou mais morram com um intervalo curto entre um e outro, mesmo que não ocorra algo como a síndrome do coração partido, simplesmente devido à sua idade e condição de saúde, disse em email o estatístico Bradley Efron, da Universidade Stanford.

E os sinais de síndrome do coração partido raramente foram documentados em grupos grandes de pessoas. Em um estudo publicado no “Journal of the American Medical Association”, pesquisadores analisaram 30.447 pessoas com idades entre 60 e 89 anos no Reino Unido cujos parceiros tinham morrido. Os sujeitos do estudo foram comparados com 83.588 pessoas da mesma faixa etária cujos companheiros não tinham morrido.

Aqueles que tinham perdido um ente querido mostraram risco maior de sofrer um acidente coronariano no mês seguinte à morte de seu companheiro. Mas o aumento do risco foi muito pequeno: 50 pessoas no grupo das que haviam perdido um companheiro (0,16%) sofreram um ataque cardíaco ou AVC, comparadas com 67 pessoas (0,08%) no grupo de comparação.

Mesmo assim, como notou Berry, os exemplos raros chamam nossa atenção.

A atriz Debbie Reynolds morreu um dia após sua filha amada, Carrie Fisher. Os pais do jogador de futebol americano Doug Flutie morreram no mesmo dia, ambos de ataques cardíacos. Johnny e June Cash, depois de um casamento de muitos anos, morreram com um intervalo de poucos meses.

De alguma maneira, perdemos de vista o que acontece na maioria dos casos. Como destacou Brian Skyrms, professor de filosofia da ciência e economia na Universidade da Califórnia em Irvine, “os asilos de idosos estão cheios de cônjuges sobreviventes”.

Tradução de Clara Allain

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