Ucrânia diz ter encenado morte de jornalista russo crítico de Putin

Arkadi Babtchenko reapareceu em entrevista coletiva após ser dado como morto na terça (29)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Madri

Quando o repórter dissidente russo Arkadi Babtchenko, 41, foi morto a tiros na terça-feira (29) em Kiev, o governo ucraniano sugeriu que Moscou estivesse por trás do assassinato. A Rússia negou ter qualquer participação, dizendo ser alvo de uma campanha difamatória. Uma troca de acusações habitual entre os rivais nestes anos.

Mas desta vez a história foi virada do avesso quando o próprio Babtchenko apareceu na quarta-feira (30) —vivo —  diante de estupefatos jornalistas em uma conferência de imprensa. Ele confessou ter forjado sua morte.

Babtchenko explicou que a operação, em parceria com a polícia ucraniana, foi planejada há mais de um mês. O objetivo era justamente impedir seu assassinato, depois de ter recebido diversas ameaças. Crítico ao governo russo, ele deixara o país em 2017 dizendo ser impossível garantir sua segurança ali.

Segundo Kiev, Moscou havia contratado um assassino por R$ 110 mil para matar o jornalista. A polícia queria convencer seus inimigos de que o plano tinha funcionado e por isso forjou a morte. Ao menos uma pessoa foi detida no episódio.

“Queria pedir desculpas pelo que fiz vocês sofrerem”, Babtchenko disse durante a conferência, prestes a chorar. Ele não havia avisado nem mesmo seus parentes próximos sobre o plano.

“Perdoem-me, mas não havia outra maneira de fazer isso. Eu também quero pedir desculpas para a minha mulher pelo inferno que ela viveu.”

Já havia planos de vigílias por sua morte, além de um movimento de colegas jornalistas para investigar de maneira independente as circunstâncias do tiroteio.

Babtchenko aproveitou seu discurso para agradecer aos serviços de segurança ucranianos por ter salvo sua vida com o plano. "Ainda estou vivo."

A encenação tinha de fato convencido na véspera com as notícias de sua morte. O jornal britânico Guardian, por exemplo, relatou que Babtchenko recebeu três tiros nas costas ao deixar o apartamento para comprar pão.

Segundo a história —agora desmentida—, seu corpo ensanguentado foi encontrado pela mulher. As informações tinham sido inclusive confirmadas na terça-feira (29) pelo governo ucraniano.

Alexei Navalni, um líder russo de oposição, chegou a descrever a notícia da morte do jornalista dissidente como algo “chocante”.

Diversos de seus colegas comentaram o caso nas redes sociais, lembrando-se dos feitos de Babtchenko e homenageando sua coragem em desafiar o líder russo, o autoritário Vladimir Putin.

Uma das razões pelas quais a história foi tão facilmente repercutida é o precedente de outros dissidentes russos mortos nos últimos anos.

Também houve uma série de jornalistas vitimados por seus trabalhos investigativos na Europa, como a repórter Daphne Caruana Galizia, de Malta, morta em outubro passado por um carro-bomba.

Após a revelação de Babtchenko, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia afirmou em uma nota oficial estar contente em saber que o jornalista está vivo, afinal. Mas a porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova, criticou Kiev pelo que chamou de “propaganda”.

Já o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, prometeu proteger o jornalista de futuras agressões russas. “É improvável que Moscou se acalme.”

A Rússia tem sido acusada nos últimos anos de uma série de campanhas de desinformação, incluindo uma suposta atuação a favor do presidente americano, Donald Trump, eleito em 2016. Essa suspeita foi retomada em outros tantos pleitos europeus, como o francês e o italiano.

Moscou é também criticada devido às notícias veiculadas por sua imprensa estatal sobre a Ucrânia. Os dois países estão em atrito desde que a Rússia anexou a Crimeia, então um território ucraniano, em 2014 e apoiou movimentos separatistas no leste daquele país.

Ao encenar a morte de Babtchenko, no entanto, o governo ucraniano deve ser questionado nos próximos dias por ter recorrido à mesma tática do rival, em um mundo crescentemente preocupado com a proliferação de notícias falsas.

O Comitê de Proteção a Jornalistas publicou um comunicado pedindo explicações de Kiev. “Estamos aliviados de que Babtchenko esteja vivo. Mas as autoridades ucranianas precisam expor as razões de uma medida tão extrema como encenar a morte de um jornalista.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.