Foram talvez dez ou 20 metros, não sei ao certo. A nuvem branca de gás lacrimogêneo, os tiros, os gritos e aquela mulher sufocando, vomitando no meu braço, fizeram-me perder a exata noção da distância que percorri com ela no colo.
Em meio ao caos, eu só pensava que, naquele momento, poderia estar me tornando um alvo dos atiradores de elite israelense. A cada disparo, o alívio de não ter sentido nenhum impacto. Quando saímos da nuvem, a mulher já estava desmaiada. Logo a minha frente, um grupo de socorristas surgiu, a tirou de meus braços e a levou embora. Foi tudo rápido e intenso.
No dia seguinte, para minha surpresa, eu me tornei notícia, ainda que anonimamente. Um fotógrafo da EPA (European Pressphoto Agency) havia registrado parte da cena e a foto se tornou o destaque do dia na agência alemã.
Os colegas me congratulavam, os amigos elogiavam meu desprendimento e minha bravura. Mensagens de apoio à minha ação humanitária pipocaram nas minhas redes.
Mas as coisas não foram e não são exatamente assim. Já estive em situações semelhantes outras vezes na vida. Foram poucas que abaixei minha câmera para ajudar pessoas em situação de risco.
Meu altruísmo, em geral, esbarra no que considero ser o papel fundamental de qualquer jornalista: um observador dos fatos. Se alguém está ferido e recebe o auxílio de alguém, ainda que não um especialista, dificilmente vou parar de fotografar, filmar ou fazer anotações para ajudar aquela pessoa.
Nesse caso específico, eu percebi que a mulher e uma amiga estavam sofrendo. Não parei de fotografar para ajudá-las, como mostra uma foto feita por mim pouco antes de socorrê-la. Foi só quando percebi que ela estava sufocando e não teria forças para sair dali que decidi ajudá-la.
Tive medo que um sniper israelense me visse dando socorro a um manifestante e decidisse me fazer de alvo, talvez acertar meu joelho, minha perna. Socorristas uniformizados foram atingidos várias vezes simplesmente por estar fazendo seu trabalho e resgatando feridos.
O jornalismo de conflito é repleto de histórias romanceadas, em que o repórter, muitas vezes, é o pivô de ações de bravura, desprendimento e altruísmo. A verdade, no entanto, é menos sedutora do que os arquétipos.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.