Descrição de chapéu Coreia do Norte Governo Trump

Compromisso entre Trump e Kim diminui tensão, mas é vago, diz especialista

Para Togzhan Kassenova, 'EUA deram muito, e não receberam muito em troca'

Washington

Especialista em política nuclear e acordos de não proliferação de armas, a pesquisadora Togzhan Kassenova, do Carnegie Endowment for International Peace, afirmou à Folha que o compromisso firmado por EUA e Coreia do Norte nesta terça-feira (12) diminui a tensão entre os países e o risco de um conflito nuclear, mas é vago e repete compromissos não cumpridos no passado.

“É uma declaração muito fraca, sem detalhes técnicos, que repete compromissos que colapsaram”, disse Kassenova. “Por um lado, não teremos uma guerra amanhã, e foi aberto caminho para uma negociação mais técnica. Mas as coisas boas acabam por aí.”

Para ela, que trabalhou por cinco anos com ações de desarmamento na ONU (Organização das Nações Unidas), é preciso aguardar os próximos passos do acordo, que devem incluir um cronograma para inspeção das instalações nucleares norte-coreanas.

Uma reunião entre equipes dos dois países deve ser agendada na próxima semana.

 

O acordo entre os países foi assinado. Há motivos para celebrar?

Eu não acho que devemos celebrá-lo totalmente. Por um lado, é bom que não estejamos mais no nível de tensão de alguns meses atrás. Acho que não teremos uma guerra amanhã, e foi aberto o caminho para uma negociação mais técnica. Mas as coisas boas acabam por aí. A declaração é muito fraca, sem detalhes técnicos. Ela reitera o compromisso de desnuclearização feito em abril com a Coreia do Sul, e é especialmente similar, textualmente, aos acordos firmados com o próprio EUA em 1994 e 2005. E ambos colapsaram.

Alguém sai em vantagem dessa negociação?

Os EUA deram muito, e não receberam muito em troca, pelo menos até aqui. Dava para ver como Kim Jong-un estava feliz, com as bandeiras, as fotos, algo que traz uma impressão de legitimidade ao seu regime. Os EUA prometeram suspender os exercícios militares com a Coreia do Sul, que é uma das maiores e mais tangíveis concessões até aqui. O que eles receberam em troca? Nada de novo, de acordo com a curta declaração que foi assinada. Vamos esperar pelo que vem a seguir.

Há um compromisso da Coreia do Norte que não está no papel, de destruir um local de teste de mísseis, segundo Trump. Eles já não fizeram isso algumas semanas atrás?

Eu não sei exatamente a qual local ele estava se referindo, porque isso não está no acordo. Houve, de fato, três instalações que foram destruídas recentemente. Não sei se, por erro, ele estava se referindo a elas, ou se há algo novo. É preciso esperar para ver. Nós também temos que ser cuidadosos sobre o que é teatro, e o que realmente significa algo.

Trump disse que havia obstáculos “mecânicos e científicos” para que a desnuclearização fosse levada a cabo. É, de fato, um processo que leva tempo?

Sim, leva mesmo. Qualquer um que diga que se pode fazer isso em algumas semanas está mentindo. Desmontar uma arma nuclear é quase tão complicado quanto construí-la. No caso da antiga União Soviética, por exemplo, não apenas a preparação e a diplomacia levaram bastante tempo, mas o processo técnico em si também. Há preocupações de segurança, logística, tecnológicas. Não dá para ser feito da noite para o dia.

Quais são os passos necessários a serem tomados para que a desnuclearização seja bem-sucedida?

É preciso trabalhar num cronograma, com etapas bastante específicas —como, por exemplo, a declaração de quantas armas eles realmente têm e a partir de que dia observadores internacionais terão acesso às instalações.

Em especial, deve haver um plano sobre como se irá verificar que o que eles [norte-coreanos] estão dizendo é verdade. No caso do acordo nuclear com o Irã, por exemplo, o acordo tinha muitas e muitas páginas, porque estabelecia as verificações, os detalhes técnicos.

Dava para esperar algo a mais desta reunião?

De certa maneira, é o melhor que poderíamos esperar de hoje. Mas, no contexto internacional, é um indicativo da bagunça em que está nossa ordem nuclear global. Sair do acordo nuclear com o Irã, por exemplo, que foi tão extensivamente negociado, com muita expertise técnica, verificação; depois insultar os aliados do G7 e viajar a Singapura para encontrar um ditador que é tratado de maneira tão respeitosa... Qual é a motivação por trás disso? Cobertura jornalística? É, de fato, um encontro histórico. Mas ele [Trump] entende o que precisa ser feito? Eu não sei. Espero que, uma vez dada a luz verde, os diplomatas e especialistas técnicos façam o melhor disso tudo.

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