Ameaças contra jornalistas se disseminam pela Europa

Para ONG, internet ajudou a alastrar prática de máfias, mais comum na Itália

A jornalista italiana Federica Angeli, que vive desde 2013 com escolta policial permanente
A jornalista italiana Federica Angeli, que vive desde 2013 com escolta policial permanente - Franco Origlia - 8.mai.2018/Getty Images
Diogo Bercito
Madri

Cinco anos atrás, os editores da italiana Federica Angeli, 42, pediram-lhe que farejasse o crime organizado na região de Ostia, o porto histórico de Roma. Ela encontrou os rastros de uma poderosa máfia. Sua reportagem, publicada no jornal La Repubblica, levou à detenção de 51 pessoas.

Angeli teve pouco tempo para comemorar o impacto do trabalho. As investigações lhe renderam sucessivas ameaças, e ela vive desde 2013 com escolta policial permanente. Em abril, um projétil foi colocado em um envelope com seu nome escrito, em uma mensagem bastante direta.

A situação não é única na Itália, quarta maior economia da União Europeia. A organização Repórteres Sem Fronteiras estima que 12 jornalistas vivem sob proteção policial integral no país.

É o caso de Roberto Saviano, autor do best-seller “Gomorra”. Outros oito têm algum tipo de escolta e mais 176 já requisitaram esse serviço temporariamente em algum momento do ano passado.

“Eu não imaginava que iria precisar de proteção por causa das minhas reportagens, mas aquelas investigações mudaram a minha vida”, afirma Angeli à Folha. “Mesmo assim, não me arrependo de ter feito meu trabalho.”

Ela lançou recentemente o livro “A Mano Disarmata”, contando a história de como cruzou o perigoso caminho da máfia e de como lidou, desde então, com as perseguições e com a escolta permanente.

“Quando entrei para o programa de proteção policial, criei uma página no Facebook. Queria que as pessoas conhecessem o suficiente a minha história. Agora eu sei que estava certa, porque estou recebendo um bocado de solidariedade”, conta.

A história de Angeli ressoa em toda a Europa, onde têm circulado ininterruptos relatos de ameaças a jornalistas. 

Daphne Caruana Galizia, de Malta, foi assassinada em outubro por um carro-bomba. Jan Kuciak, da Eslováquia, foi morto em fevereiro ao lado da noiva —entre seus trabalhos, ele apurava transações com a máfia italiana.

Mas o panorama italiano é de certa maneira único na região. “Não é que o fenômeno tenha começado agora ali. Ele nunca deixou de existir”, diz Pauline Adès-Mével, chefe do escritório europeu da Repórteres Sem Fronteiras

Ela reclama da pouca atenção dada aos riscos do jornalismo na Itália.

“Agora o fenômeno está se espalhando pela região, e acreditamos que exista uma explicação para isso.

Em primeiro lugar, com a internet, os jornalistas compartilham a informação de suas investigações entre colegas de outros países, o que faz com que os criminosos precisem atuar em diversos lugares”, diz.

Adès-Mével também afirma que, com a corrupção nos governos de alguns países, são os jornalistas que conduzem as investigações que a princípio deveriam caber ao Estado. Por isso, acabam vistos como responsáveis por interromper atividades criminosas.

“Mas existe um sentimento de resiliência entre os jornalistas italianos”, afirma. “Em parte porque eles acreditam ter uma missão, mas também porque as suas vidas foram completamente destruídas depois de terem exposto aquelas redes criminosas. Querem continuar com o trabalho que já começaram.”

É o que narra o repórter siciliano Paolo Borrometi, 35, que aos 17 anos criou o blog independente O Espião para investigar a máfia em sua terra natal. Depois de expor um esquema ilegal de venda de frutas nos mercados da Sicília, ele entendeu os riscos inerentes à prática: “Vivo sob a ameaça de cinco clãs mafiosos”.

Em 2014, capangas lhe torceram o braço, rompendo alguns músculos, motivo pelo qual ainda hoje tem dificuldades de movimento. Ele vive agora sob proteção.

Em abril, a polícia interceptou mensagens da máfia discutindo um plano para matá-lo com carro-bomba, mas Borometi diz não pensar em deixar o trabalho. “Um jornalista que vê uma coisa e não a relata simplesmente não está fazendo bem o seu ofício”, afirma.

“Jamais vou me acostumar a viver com escolta. Mas tenho orgulho de ter cumprido com a minha obrigação.”

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