Clubes de tiro para mulheres ganham projeção nos EUA

Empoderamento, amizade e diversão aparecem como motivo para alunas praticarem com armas

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Com protetor de ouvido que cobre toda a orelha e óculos de proteção, Maria Eduarda carrega uma arma para atirar, enquanto há outra ao lado. Ao fundo vê-se o chão com restos de balas caídos.
A brasileira Maria Eduarda Ribeiro, 26, moradora de Los Angeles há 9 anos, pratica tiros com suas armas em estande em Los Angeles - Apu Gomes/Folhapress
Los Angeles

"Respire fundo", diz a professora numa manhã de céu azul, num campo entre montanhas no sul da Califórnia. "É como uma vinyasa de ioga", ela continua, demonstrando movimentos combinados com sua respiração.

"Inspire, mão esquerda no peito, mão direita no coldre, dedo indicador pra cima", ela explica, vestida de preto dos pés à cabeça, incluindo um boné com proteção para o pescoço. "Exale, tire a arma e estique os dois braços, segure com as duas mãos. Respire fundo de novo: concentre na mira. Dedo no gatilho só no momento de atirar."

A aula faz parte do Girls Gun Club, que reúne mulheres uma ou duas vezes por mês num campo de tiro a 40 minutos de Los Angeles. É preciso dirigir por mais de 10 minutos dentro de um parque nacional, numa estrada um tanto bucólica, até se ouvir o barulho dos mais variados tiros.

Apesar de a Califórnia ser um dos estados mais liberais e com maior restrição para compra de armas, o número de vendedores autorizados é quase o dobro de McDonald's, mais de 2.000. A região também acolhe alguns dos melhores atiradores profissionais do país e alguns dos maiores fabricantes do mundo.

Assim como no clube de mulheres, que atrai uma clientela de idades e profissões variadas, os donos de armas californianos também passam longe do estereótipo ultraconservador, caubói ou caçador de veados.

Para poder ter uma pistola em casa, é preciso passar num teste de múltipla escolha, verificação de antecedentes criminais, esperar 10 dias e ter mais de 18 ou 21 anos dependendo do tipo de arma.

A professora do Girls Gun Club é certificada pela Associação Nacional do Rifle (NRA), a polêmica organização de quase 150 anos e 5 milhões de membros que defende a Segunda Emenda à Constituição norte-americana, aquela sobre o direito de ter armas. Ela pede para não ter seu nome publicado.

"Vamos falar da Glock, a Tupperware das armas. Muito confiável, muito popular", comenta, enquanto distribui às cinco alunas uma Glock para cada, um coldre que é amarrado na coxa e duas caixas de munição.

A aula é uma introdução para quem nunca atirou. A prática mesmo começa à tarde, num espaço que imita uma casa. A ideia é entrar armada e acertar os alvos enquanto caminha pelo labirinto.

As alunas frequentam o clube por motivos diversos. "Querem se sentir empoderadas, aprender algo novo, encontrar amigas. Ou apenas se divertir mesmo", diz a professora. "E sempre aparecem aquelas que foram abusadas e não querem mais ser vítimas."

A técnica de segurança Shelley Dowst, uma lésbica veterana do Exército de 38 anos, pratica sempre que possível e costuma discutir com os amigos "extremistas liberais" na internet. "Há muitos em Los Angeles e eles não têm nenhuma educação sobre o assunto. Apenas acham que somos pessoas ruins", disse a americana, que votou no candidato libertário Gary Johnson nas eleições de 2016. "Prefiro ter a habilidade de me defender do que tentar me esconder."

Maria Eduarda aparece de perfil, segurando a arma com as duas mãos, a contraluz.
Maria Eduarda Ribeiro, 26, brasileira, moradora do EUA há nove anos, posa para foto com uma pistola Smith and Wesson SD 9mm de sua coleção de armas, em sua casa em Los Angeles, na Califórnia - Apu Gomes/Folhapress

A brasileira Maria Eduarda Ribeiro, 26, frequenta clubes de tiro indoor nos finais de semana em Los Angeles, onde mora há nove anos. Em casa, tem uma Glock, um revólver de colecionador e uma espingarda Remington 87.

Ribeiro se interessou pelo universo das armas faz pouco mais de um ano. Foi com o marido, um americano ex-skatista profissional de 40 anos, num clube de tiro pela primeira para "fazer algo diferente". Hoje, ele não curte a atividade, mas ela se viciou.

"Gosto do esporte, quero melhorar minha mira, quero um dia ser patrocinada. Não caço e acho que defesa pessoal é o último motivo da lista", diz Ribeiro.

Michelle aparece com um casaco preto aberto, camisa cinza e calça preta rasgada em um corredor de árvores e postes em sua casa
A atriz Americana Michelle Gonzalez com sua pistola Smith & Wesson 9 mm em sua casa em Burbank, na Grande Los Angeles, na Califórnia - Apu Gomes/Folhapress

Defesa pessoal foi principal motivo para a atriz Michelle Gonzalez começar a treinar em clubes de tiro, em 2010. Comprar arma, só três ou quatro anos depois. "Tinha muito receio no começo", disse a americana, que trabalha como dublê na série "A Rainha do Sul", estrelada por Alice Braga. "Só depois que me senti confiante e competente suficiente que comprei minha Smith & Wesson."

Gonzalez, que diz ter menos de 35 anos, pratica uma vez ao mês e gosta de aprender armas diferentes. Também já fez cursos para atirar em situações de estresse: depois de dez burpees, tinha de lutar com dois agressores e, na sequência, atirar ao alvo.

Segundo números mais recentes do governo, 38 mil pessoas morreram de ferimentos de bala nos EUA em 2016, sendo dois terços por suicídio. A Califórnia tem uma das médias mais baixas do país, com 8 mortes para 100 mil habitantes, um número que diminuiu nos anos 1990 por conta de leis mais duras. O pior estado é o Alasca, com 23. No Brasil, a taxa foi de 29 em 2015.

Ribeiro não crê que o sistema americano funcionaria no Brasil. "Aqui nos EUA, as pessoas têm medo das leis e as obedecem. No Brasil, ninguém respeita nada", diz.

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