Crise econômica na Argentina alimenta 'inferno astral' de Mauricio Macri

Com revés na Copa, presidente não consegue desviar foco de desvalorização do peso e inflação

De blazer preto e camisa azul, Macri gesticula com a mão enquanto fala em um microfone do púlpito. Atrás detalhes de uma das paredes da Casa Rosada.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, discursa ao empossar seus novos ministros da Energia e da Produção nesta quinta-feira (21) - Eitan Abramovich - 21.jun.18/AFP
Sylvia Colombo
Buenos Aires

Se contava com o bom desempenho da seleção da Argentina na Copa do Mundo para desviar a atenção da desvalorização do peso em 30%, da inflação que não abaixa, do trauma no orgulho nacional que foi ter ido bater na porta do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do corte das projeções de crescimento econômico pela metade, o presidente Mauricio Macri estava enganado.

Não houve dribles de Lionel Messi que o ajudassem. Ao contrário, o time foi derrotado pela Croácia na quinta (21), e os argentinos nesta sexta (22) faziam dois tipos de cálculo: se o dólar fecharia a menos de 28 pesos (ficou perto disso) e de que resultados o time do técnico Jorge Sampaoli precisará para continuar vivo no Mundial.

Assim como o comandante da seleção, Macri precisa de sorte, mas também de decisões acertadas, principalmente depois de 25 de abril, quando as coisas saíram do controle. O dólar disparou, as metas de inflação projetadas se mostraram irreais e diversos sindicatos começaram a marcar suas greves.

Nesta segunda-feira (25), haverá uma de transportes. Quem tiver viagem marcada para a Argentina deve consultar as companhias aéreas. Ainda não se sabe se os aeroportos irão parar, mas sim o transporte público nacional.

A principal reclamação das associações é que as negociações salariais, realizadas em abril e que decidem o teto dos aumentos no ano, foram feitas tendo em conta o cálculo do governo de que a inflação seria de 15% ao final do ano.

Agora, nem economistas independentes nem ministros da área econômica pensam mais dessa maneira. Dificilmente ela será de menos de 20%, mantendo-se como a maior da região, depois daquela da Venezuela em crise.

Eis que surgem, então, os problemas políticos. Macri tenta convencer a população de que o acordo com o FMI é bom, que comparações com a crise de 2001 não cabem porque a conjuntura é diferente e de que o governo está seguro de suas decisões para ajustar-se aos requisitos do fundo.

Logo depois, porém, ocorrem episódios que deixam parte da sociedade ressabiada ou perplexa. Por exemplo, um dia Macri apareceu na TV com o então ministro da Produção, Francisco Cabrera, ensinando a população a adotar as lâmpadas LED, que gastam menos energia. Cabrera assegurava que elas sairiam por um preço acessível. Dias depois, foi demitido.

Mais adiante, surgiram na televisão o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, ao lado do então presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger. Diziam ser possível reduzir o déficit fiscal, um dos pedidos do FMI, e já ter um plano que não afetaria os mais pobres. Poucos dias depois, Sturzenegger era quem se despedia do governo.

Essas mudanças repentinas causaram insegurança na população. A aprovação de Macri, de 58% após as eleições legislativas de outubro, caiu para 35%. O que preocupa mais o gabinete, segundo a Folha apurou, é a mudança de comportamento do Congresso.

Desde o início do governo, em dezembro de 2015, Macri não tem maioria no Parlamento. Obteve mais vagas em 2017, mas ainda assim, precisa se apoiar na ala à direita do peronismo para aprovar leis.

O grupo lhe vinha sendo leal, pois preferia Macri a Cristina Kirchner, à esquerda.

Essa frágil aliança se quebrou em maio quando o peronismo votou unido para frear um novo tarifaço, que elevou as contas de gás, eletricidade e transporte em até 50%. O presidente foi obrigado a vetar a decisão, gesto visto como autoritário e desrespeitoso.

Depois, veio a votação na Câmara sobre a lei do aborto que, apesar de não agradar a Macri, foi aprovada. Pressionado, o presidente diz que o texto não será vetado se passar no Senado. O episódio, porém, mostra que ele já não tem controle sobre aquela Casa.

"Caiu o dogma de que a reeleição de Macri em 2019 era uma coisa certa", diz o analista político Carlos Pagni.

E é com esse cenário que o presidente terá de lidar, com pelo menos um fator de alívio para o campo macrista: o fato de a oposição ainda não ter um rival forte para desafiá-lo nas eleições do ano que vem.

A instabilidade financeira, porém, voltou a deixar o país em suspense. Se Macri afirmava que o dinheiro do FMI seria para dar segurança às reformas, isso já foi quebrado na última semana, quando os primeiros US$ 15 bilhões do fundo foram usados para baixar o valor do dólar.

O governo teve uma boa notícia na quinta quando o Morgan Stanley Capital International (MSCI) reclassificou a Argentina como mercado emergente. Dujovne saiu animado para dar a notícia, dizendo que isso traria mais investimentos, promessa de Macri que até hoje não se cumpriu.


Problemas do governo de Mauricio Macri

- Dólar e inflação: a moeda subiu 30% em relação ao peso, e o aumento dos preços deve superar 20% em 2018 
- FMI: primeira leva dos US$ 50 bi que deveriam ser usados em reformas serviu para segurar o câmbio 
- Greves: sindicatos farão paralisações para exigir reajuste superior de salários ante nova expectativa de inflação 
- Congresso: recurso ao FMI fez Macri perder apoio da ala do peronismo à direita, que dava aval a reformas 
- Popularidade: inflação, alta do dólar, aumento de tarifas e lentidão na chegada dos investimentos devem reduzir ainda mais aprovação do presidente

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