Descrição de chapéu Governo Trump

Danos psíquicos a crianças apartadas na fronteira são incalculáveis

Separações comuns exigem tanta dedicação dos pais para proteger o psiquismo dos filhos

De camiseta branca e calça jeans, menina segura garrafa d'água ao lado da perna de um adulto que está em uma fila. À direita há dois agentes de imigração vestidos de preto, que são vistos de baixo para cima. Ao fundo, no alto, uma bandeira pequena dos EUA tremula em uma grade.
Famílias de imigrantes centro-americanos escutam instruções de agentes de imigração dos Estados Unidos em Ciudad Juárez, no México - José Luis González/Reuters

O colo dos pais não serve só para salvar a criança do cansaço. Ele alça o filho à altura do mundo, empresta-lhe a força do gigante que o carrega. Os pais compartilham sua potência para que as crianças encarem a vida como se pudessem de fato fazer-lhe frente —antes de poderem.

Basta ver a empáfia com que um bebê sai andando pelos ambientes mal se mantendo nas próprias pernas. Mas, se o faz, é porque a experiência provou que, ao menor arranhão, o gigante se materializa para salvá-lo.

Imagine uma matrioska, brinquedo russo de madeira que consiste numa série de bonequinhas, umas dentro das outras, sendo a última a única maciça. Essa imagem ilustra bem a relação da criança com o meio, quando as coisas estão nos seus lugares. A bonequinha maciça é a criança, antecedida por mãe/pai, avós e demais pessoas e estruturas a sua volta: escola, estado, país, mundo.

Nesse ambiente feito de várias camadas de proteção, a dura realidade da vida vai sendo amortecida, pois, antes de encará-la, a criança terá tempo e muito trabalho.

Aprender a nomear os afetos que sacodem seu corpinho, como quando ela se depara com os ciúmes pela chegada do irmão. Entrar na escola pode soar como aterrissagem em outro planeta. Quanto choro antes que as repetidas experiências deem sentido à frase: "mamãe vai trabalhar, mas depois ela volta"! Elas precisarão de dezenas de idas e voltas até confiar que as palavras têm lastro.

Famílias insones que digam o trabalho para que os filhos aprendam a lidar com separações noturnas.

Pais/mães do mundo todo se viram como podem para tentar manter algum entorno que proteja suas crianças até que elas estejam a altura de enfrentar a realidade.

Mas, como na matrioska, esse jogo tem muitas peças, e, quando a existência dos próprios pais está ameaçada, outras peças terão que comparecer. Avós, tios, escola, Estado devem vir em seu socorro para que a integridade física, psíquica e moral da criança seja protegida.

Chama-se de infância essa proteção, na qual pode-se ir lidando progressivamente com as experiências cada vez mais complexas, intermediadas por adultos responsáveis. É o tempo necessário para que elas estejam preparadas para lidar com pessoas e situações nefastas, como um Donald Trump.

A situação dos imigrantes ilegais americanos fugindo de condições insustentáveis, na esperança de encontrar uma vida melhor para si mesmos e para os filhos, ilustra bem a falta de peças do jogo que sustenta a infância.

Se separações comuns exigem tanta dedicação dos pais para proteger o psiquismo dos filhos, como encarar os danos psíquicos incalculáveis dessa situação?

A terrível experiência desses menores, na fronteira americana, mas também em inúmeras situações pelo mundo, é de ter encontrado o Lobo Mau sem casa de tijolos e sem Caçador para salvá-los. Que adulto contaria uma história dessas para uma criança?

Vera Iaconelli é psicanalista e colunista da Folha

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