Erdogan é favorito à reeleição, mas encara turbulência inédita na Turquia

Presidente chega ao dia da eleição com 44,5% nas pesquisas, contra 29% de social-democrata

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De camisa azul clara, Erdogan levanta as mãos para o céu. Abaixo do palco onde ele está há milhares de apoiadores em uma rua de sobrados com bandeiras da Turquia e azuis de sua campanha.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que busca novo mandato, faz comício em Istambul na sexta-feira (22) - Kayhan Ozer - 22.jun.18/Presidência da Turquia/AFP
Istambul

Nos últimos 15 anos, quando os turcos foram às urnas, tinham poucas dúvidas quanto ao resultado da votação. O conservador Recep Tayyip Erdogan venceu tudo e todos: foi premiê de 2003 a 2014 e é presidente desde então.

Nas eleições deste domingo (24), no entanto, há uma imprevisibilidade inédita no ar, uma sensação com que alguns turcos dizem estar quase desacostumados: Erdogan ainda tem a vantagem, mas pode sofrer um revés inédito e descobrir o limite de seu poder.

O pleito é duplo: presidencial e parlamentar. Quando Erdogan antecipou as eleições, inicialmente previstas para novembro de 2019, as pesquisas indicavam que venceria em ambas as frentes. Sua ideia era evitar a crise econômica que já começou, com a desvalorização da lira turca.

O cenário hoje é diferente. Para o primeiro turno da disputa presidencial, Erdogan tem 44,5% das intenções de voto, segundo pesquisa de 13 de junho com 2.460 pessoas (prazo final para sondagens).

O segundo colocado, o social-democrata Muharrem Ince, aparece com 29%. Se houver segundo turno em 8 de julho, o presidente deve vencer.

Nas eleições parlamentares, que só têm uma rodada, Erdogan pode ganhar a maioria dos assentos com seu AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento). Segundo um levantamento feito de 8 a 11 de junho com 2.410 pessoas, essa sigla deve receber 41,5% dos votos.

Caberiam ao movimento de Ince, o CHP (Partido Republicano do Povo), 26,3% dos votos —mas a oposição turca se alia em um só bloco, que totalizaria mais de 39%.

Tirar a maioria parlamentar de Erdogan seria uma proeza e um dos raros obstáculos já colocados a seu governo.

Trata-se, portanto, de uma eleição crucial para este país de 80 milhões de pessoas que integra a Otan (aliança militar ocidental) e divide fronteiras com a Síria, o Iraque e o Irã.

Cientes da importância de cada voto, os partidos se mobilizaram na sexta (22), véspera da proibição de campanhas de rua. Militantes distribuíram panfletos em Istambul, enquanto os carros de som dos partidos disputavam aos berros com os alto-falantes das mesquitas durante as chamadas à oração islâmica.

A queda do apoio a Erdogan não chega a surpreender, dada a mão de ferro com que governa nos últimos anos. Após a tentativa fracassada de golpe militar em julho de 2016, ele deteve mais de 140 mil pessoas. A imprensa está quase toda sob o seu controle.

A oposição turca foi pega de surpresa pela antecipação da eleição em 17 meses e teve pouco tempo para se organizar, sob o estado de emergência que restringe liberdades individuais. Seu trunfo foi ter se unificado, algo que o presidente não esperava.

A colaboração entre os rivais de Erdogan incluiu o empréstimo de 15 deputados do CHP ao partido conservador IYI, fundado em 2017, para que tivesse o número suficiente de representantes para criar um grupo parlamentar —a manobra foi criticada pelo AKP.

"A oposição está derrotando Erdogan em seu próprio jogo, com mais comícios e multidões mais entusiasmadas", diz Ozgur Unluhisarcikli, analista do centro de estudos americano German Marshall Fund na Turquia.

Neste sábado (23), último dia permitido para a campanha, Ince reuniu seus simpatizantes em Istambul.

O partido falou em 5 milhões de pessoas, entusiasmando a oposição, enquanto a polícia estimou o grupo em 1 milhão.

A esta altura, quase todos os cenários preocupam, no país e fora dele.

Caso Erdogan vença, com as frequentes suspeitas de fraude que rondam o voto nos últimos anos, seus críticos podem ir às ruas.

Já na situação inversa, com sua eventual derrota, são os simpatizantes do presidente que podem protestar.


Unida, oposição espera surpreender e conquistar maioria no Parlamento

Quando antecipou as eleições turcas para este domingo (24), mais de um ano antes da data prevista, o presidente Recep Tayyip Erdogan esperava enfrentar o de sempre: uma oposição fragmentada, incapaz de apresentar candidatos viáveis para o pleito.

De terno azul marinho, camisa branca e gravata vinho e branca estampada, Ince segura na outra mão um espeto com uma batata e uma cebola. O fundo do cenário é vinho.
O candidato à Presidência da Turquia Muharrem Ince discursa durante um comício em Istambul neste sábado (23) - Yasin Akgul - 23.jun.18/AFP

O mandatário é um político veterano, e foi com sagacidade que se manteve no poder nos últimos 15 anos. Desta vez, no entanto, ele pode ter se enganado. Seus rivais se uniram e já ameaçam o governo.

"Esta eleição não será uma disputa entre partidos, mas sim entre regimes", diz à Folha Koray Ükünç, presidente da recém-criada sigla conservadora IYI na cidade de Esmirna, na costa oeste da Turquia.

O objetivo da oposição unificada, explica ele, é apear do poder Erdogan e reverter a reforma constitucional aprovada em um plebiscito realizado no ano passado, por meio da qual o país substituiu seu sistema parlamentarista pelo presidencialista.

A reforma entra em vigor após estas eleições, quando a Turquia elege simultaneamente os próximos presidente e integrantes do Parlamento —nesse último, há 600 vagas em jogo. 

Inesperadamente, Erdogan enfrenta desafios nos dois fronts.

Se o pleito presidencial for ao segundo turno, a ser disputado em 8 de julho, as siglas de oposição devem se unir em torno de um só candidato, o social-democrata Muharrem Ince, do CHP (Partido Republicano do Povo). Essa é a sigla mais antiga e representa, hoje, a principal força de oposição ao governo.

Já no caso parlamentar, Erdogan amarga problemas ainda mais vultosos. O CHP se aliou formalmente ao conservador IYI, fundado no ano passado, e ao islamita Saadet. Junta, a trinca pode conseguir conquistar a maioria dos assentos.

O cenário ficará ainda menos auspicioso para Erdogan se a sigla pró-curda HDP (Partido Democrático dos Povos) lograr superar o mínimo eleitoral de 10% e eleger legisladores.

Mas a liderança do HDP descarta, por enquanto, formar uma coalizão com o resto da oposição. 

"CHP, IYI e Saadet são os partidos do sistema, da burguesia. Nós somos diferentes deles", afirma o candidato do HDP em Esmirna Murat Çepni. "Atualmente, representamos o único verdadeiro partido de resistência na Turquia." 


A era Erdogan

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