O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, foi o grande vencedor da reunião desta semana com o presidente americano, Donald Trump --ele fez pouquíssimas concessões e saiu com grandes trunfos, como o fim do isolamento internacional e a suspensão dos exercícios militares dos EUA com a Coreia do Sul.
Essa é a opinião de respeitados especialistas em relações internacionais ouvidos pela Folha. E, apesar de o presidente americano ter dito que a Coreia do Norte não representa mais uma ameaça nuclear, Kim não fez nenhuma promessa concreta de desnuclearização do país e ainda é cedo para comemorar, dizem.
"O comunicado conjunto não contém linguagem dura que faça a Coreia do Norte se comprometer com objetivos específicos. Já nós fizemos a concessão dos exercícios militares, sem receber nada em troca", disse Nicholas Burns, professor de relações internacionais da Universidade Harvard e ex-secretário-adjunto de Estado para Assuntos Políticos, o terceiro cargo mais alto no Departamento de Estado dos EUA.
"Além disso, já está havendo um afrouxamento das sanções contra o regime, por parte de chineses e russos, o que diminui muito nosso poder de barganha nas negociações daqui para frente, quando realmente serão discutidas medidas concretas", completou.
Burns também critica o tratamento dado por Trump à Coreia do Sul e ao Japão, tradicionais aliados dos Estados Unidos.
"Os sul-coreanos nem sequer foram informados previamente de que Trump anunciaria a suspensão dos exercícios militares, e essa negociação é, fundamentalmente, a respeito deles."
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, reuniu-se com autoridades coreanas e japonesas em Seul nesta semana.
"Espero que isso ajude a compensar pelo que ocorreu em Singapura", diz Burns.
Joseph Nye, professor emérito e ex-diretor da Escola de Governo Kennedy, de Harvard, também demonstra ceticismo em relação aos resultados da reunião de cúpula.
"Trump diz ser um grande negociador, mas fez mais concessões e conseguiu menos garantias do que outros presidentes americanos em negociações com a Coreia do Norte", disse Nye.
"O que temos é cosmético, Kim não vai desnuclearizar. Obviamente cosmético é melhor que guerra e deveríamos prolongar as negociações para evitar uma, mas não deveríamos estragar nossas alianças por causa de promessas falsas da Coreia do Norte —já vimos esse filme antes!"
Burns afirma que é preciso dar crédito à iniciativa de Trump de se reunir com Kim, o primeiro presidente americano em exercício a se encontrar com um líder norte-coreano. "Sete meses atrás, havia real possibilidade de entrarmos em guerra com a Coreia do Norte, então é preciso reconhecer o mérito de o presidente investir no caminho diplomático."
Para o professor, Pyongyang vai tentar convencer os EUA de que apenas congelar o programa nuclear, sem eliminar o arsenal atual, é um resultado aceitável para a negociação e deve levar ao fim das sanções. "É isso que ocorreu nas negociações anteriores com a Coreia do Norte."
Alguns analistas afirmam que o fato de Trump indicar que não pretende manter forças americanas na Ásia no longo prazo pode levar países da região a uma corrida armamentista.
Por um acordo assinado após a Segunda Guerra, os EUA se comprometem a defender o Japão em caso de algum ataque, e a Constituição japonesa tem uma "cláusula de paz", que impede o país de atacar outras nações.
Na Coreia do Sul, os americanos garantem a segurança desde o armistício da Guerra da Coreia, em 1953, e mantém 28,5 mil soldados no país.
Burns acha que é precipitado falar em corrida armamentista.
"Mas Trump reclamar do custo de manter as tropas na Ásia —aliás, Japão e Coreia do Sul é que arcam com a grande maioria desses custos— é muito prejudicial, inclusive porque essas tropas também estão lá por causa de interesses dos EUA na região, não para proteger os aliados."
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