Falta de mão de obra estrangeira deve afetar EUA só no pós-Trump

Gerações futuras pagarão conta de política anti-imigração do republicano, dizem analistas

Danielle Brant
Nova York

A economia americana vai sentir os efeitos da ofensiva do republicano Donald Trump contra os imigrantes “indesejados”, mas quem vai pagar a conta provavelmente será o seu sucessor, e não o atual presidente.

A explicação é simples, dizem especialistas: a ausência dessa mão de obra terá impacto significativo sobre dois importantes setores da economia (indústria e agricultura), além de afetar o consumo.

O primeiro efeito direto seria a escassez de trabalhadores para repor as vagas que exigem menos qualificação profissional, atingindo a construção civil e a agricultura. 

São setores que demandam mais trabalhadores em épocas em que a economia vai bem, diz Walter Ewing, pesquisador do Conselho Americano de Imigração, organização que estuda imigração. E o próprio governo dos EUA prevê que vão criar mais vagas até 2026.

Em Los Angeles, manifestantes erguem cartazes com os dizeres "crianças não são animais" e "separar famílias é cruel" durante ato contra a política de Trump de separar famílias detidas ao tentar entrar ilegalmente nos EUA
Em Los Angeles, manifestantes erguem cartazes com os dizeres "crianças não são animais" e "separar famílias é cruel" durante ato contra a política de Trump de separar famílias detidas ao tentar entrar ilegalmente nos EUA - Robyn Beck/AFP

Mais de metade dos trabalhadores da agricultura é imigrante (legal e ilegal), segundo estudo do centro de pesquisas Pew. Na construção, um quarto dos trabalhadores nasceu fora dos EUA.

Para Ewing, o governo lança ‘fogo amigo’ contra a própria economia com essa política migratória, não deixando entrar trabalhadores de que precisa. “É ridículo.”

Algumas indústrias podem demorar mais que outras a se recuperar da falta de mão de obra, de acordo com Jeanne Batalova, analista do Instituto de Política de Migração. 

Ela estima que cada setor vá ter um prazo diferente para se adaptar à escassez de trabalhadores (três anos, no pior dos casos), dependendo das medidas que o segmento vai tomar e se a tecnologia será capaz de substituí-los.

“Você não pode mudar um prédio de lugar. Você pode, sim, levar mais tempo para construir com menos funcionários, mas as portas precisam ser colocadas, e a parte elétrica, instalada”, diz ela.

A mudança demográfica também joga contra. Há um envelhecimento populacional (1 em cada 5 americanos terá idade para se aposentar em 2030) e uma diminuição na taxa de natalidade que deve afetar a reposição de empregos —e, consequentemente, a produção— no futuro.

O crescimento da população em idade de trabalho seria liderado justamente pelos imigrantes no mínimo até 2035, de acordo com estudo do Pew. 

O segmento de adultos em idade de trabalho nascidos nos EUA e cujos pais também são naturais do país deve diminuir de 128,3 milhões em 2015 para 120,1 milhões em 2035.

Essa queda seria parcialmente compensada por um aumento no número de adultos americanos com pais imigrantes, que mais que dobrariam, para 24,6 milhões em 2035, nas projeções do estudo.

Sem os imigrantes, a população economicamente ativa cairia de 173 milhões em 2015 para 166 milhões em 2035, segundo o Pew.
 

Família da América Central que tentou entrar nos EUA ilegalmente deixa centro de detenção do governo americano em McAllen (Texas)
Família da América Central que tentou entrar nos EUA ilegalmente deixa centro de detenção do governo americano em McAllen (Texas) - John Moore/Getty Images/AFP

O terceiro impacto seria no consumo. Os gastos de famílias são o principal motor do PIB americano. Uma redução no número de imigrantes, portanto, também teria efeito aí.

“Imigrantes não são apenas trabalhadores, eles também pagam impostos, abrem negócios, gastam em lojas nos EUA”, diz Ewing, do Conselho Americano de Imigração.

Desde a eleição, Trump prometeu medidas para melhorar o perfil do estrangeiro que entra nos EUA, privilegiando os anglófonos e os que têm formação acadêmica destacada.

Mas mesmo esse público pode ser impactado, diz Batalova, do Instituto de Política de Migração. Isso porque os EUA vão concorrer com outros países ricos e mesmo com as nações de origem desses imigrantes —como a Índia, que tem se esforçado para manter esses trabalhadores no país.

Os reflexos econômicos potencialmente não seriam sentidos pelo governo Trump, mesmo em caso de reeleição, avalia Alex Nowrasteh, analista do instituto Cato.

“Não vai acontecer imediatamente. Não acho que vá causar uma recessão, mas com certeza vai desacelerar o crescimento econômico”, diz. 

“A administração de Trump seria pouco impactada. Seria um problema para futuras gerações resolverem.”

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