Falta integrar de fato migrante forçado a país que o acolhe

Para ser eficaz, estratégia deve incluir também acesso a moradia, educação, saúde e trabalho

Três meninos aparecem à frente da imagem. O à esquerda usa camiseta preta grande, com a palavra "México" e detalhes em vermelho e verde. O ao centro usa bermuda jeans, camiseta azul estampada e uma mochila nas costas. E o à direita está de short e camiseta azul. Os três andam de mãos dadas, à frente de duas mulheres que os levam atrás, uma de calça preta, casaco preto e blusa azul e outra, de blusa verde água. Eles estão em meio a outras pessoas que também se aproximam da fila.
Mulheres levam três crianças para a fila de imigrantes centro-americanos em busca de asilo nos EUA para entrevista de agentes de migração em Ciudad Juárez, México - José Luis Gonzalez/Reuters
Robert Muggah Adriana Abdenur Maiara Folly

Separar crianças migrantes de seus pais é inadmissível. Somente nos últimos dois meses, pelo menos 2.300 menores foram forçados a ficar sem as suas famílias ao tentarem cruzar a fronteira do México com os EUA. Por mais que as imagens de bebês, crianças e adolescentes dormindo no chão e em gaiolas tenham chocado, é só a ponta do iceberg.

O mundo está diante da pior crise de migração forçada já enfrentada. São 68,5 milhões de pessoas fugindo de conflitos armados, perseguições e outras formas de violações de direitos humanos. Mais de 25 milhões são refugiados, e os demais são deslocados internos e solicitantes de refúgio.

Como a política migratória de tolerância zero dos EUA deixa claro, a discriminação de refugiados e imigrantes tem crescido. Naquele país, o número de admissões de refugiados caiu de 200 mil em 1980 para menos de 28 mil em 2017.

Os europeus também estão menos receptivos. Alguns países ergueram barreiras físicas em suas fronteiras para impedir a entrada de imigrantes e vêm tentando dificultar a permanência dos que já estão lá.

O argumento dos países desenvolvidos de uma invasão de refugiados e imigrantes ilegais vai contra as evidências. Os EUA aceitam menos de 0,6% da população mundial de refugiados. Na Europa, só a Alemanha aparece entre os dez países que mais recebem refugiados. A grande maioria não está fugindo de países pobres para ricos —cerca de 85% são acolhidos por nações em desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, a América Latina passa por uma crise invisível de deslocamento. O crime organizado e a violência forçam centenas de milhares a fugir de suas casas. Dezessete dos 20 países mais homicidas estão nesse perímetro.

A Colômbia é o segundo com maior deslocamento populacional do mundo, atrás da Síria. Apesar do acordo de paz entre governo e Farc, ainda há 7,7 milhões de deslocados internos, e 340 mil refugiados colombianos vivem no exterior. Muitos ainda não se sentem seguros para voltar.

Na Venezuela, a prolongada crise política, econômica e de segurança também criou uma emergência migratória. Desde 2014, mais de 1,5 milhão de cidadãos abandonaram o país, dos quais 1 milhão se mudou para a Colômbia.

Até dezembro de 2017, 142.600 venezuelanos solicitaram refúgio em todo o mundo, e outros 444 mil receberam vistos de residência.

O Brasil não está imune às dinâmicas de migração forçada. Embora apenas 6.200 brasileiros tenham solicitado refúgio em outros países desde 2014, 7,7 milhões foram forçados a se deslocar no Brasil em razão de projetos de infraestrutura, de desastres naturais e da violência desde o ano 2000. O país também acolhe 10 mil refugiados e cerca de 86 mil solicitantes de refúgio.

Os países do Triângulo Norte da América Central (El Salvador, Guatemala e Honduras) enfrentam a pior crise de deslocamento desde suas guerras civis, nos anos 1990. Cerca de 130 mil pessoas desses países solicitaram refúgio em 2017 —alta de 1.500% desde 2011.

Aqueles que não puderam fugir para o norte foram deslocados internamente. Eles enfrentam ameaças de agressão, homicídio, assassinato, extorsão e recrutamento forçado por gangues.

Tornando o cenário ainda mais complexo, os EUA aumentaram as deportações de imigrantes "ilegais" que chegam da América Central e do México. Só no ano fiscal de 2017, deportaram 75 mil cidadãos do Triângulo Norte. Com o fim do status de proteção temporária, 200 mil salvadorenhos correm risco de deportação, e outros 57 mil hondurenhos enfrentarão, idem.

A violência no México e a resposta militarizada do governo também desencadearam níveis sem precedentes de deslocamento. A atuação do crime organizado, sequestros e outras formas de crime forçaram a mudança interna de 345 mil mexicanos. Apenas em 2017, outros 85 mil solicitaram refúgio. Simultaneamente, os pedidos de refúgio no México aumentaram 150%.

Os enormes fluxos de deslocamento da América Latina exigem uma resposta robusta. A boa notícia é que as leis para refugiados da maioria dos países da região estão entre as mais avançadas do mundo. Além disso, iniciativas de integração local têm ganhado força, inclusive pela formação de comitês de assistência emergencial nacionais.

Por outro lado, muito ainda precisa ser feito para que a região construa políticas adequadas para enfrentar os desafios da migração forçada.

Para ser eficaz, uma estratégia regional deve incluir não apenas ações humanitárias de efeito imediato, mas também programas de integração local que sejam duradouros e garantam o acesso a moradia, educação, saúde e trabalho digno aos refugiados.

Robert Muggah, Adriana Abdenur e Maiara Folly são integrantes do Instituto Igarapé, que estuda violência

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