Imprensa livre sofre com repressão de Erdogan e vira animal raro na Turquia

País está na 157ª posição em ranking da ONG Repórteres Sem Fronteiras; Brasil é o 102º colocado

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Mulher acena com bandeira turca da janela de um apartamento, enquanto embaixo milhares de pessoas vestindo vermelho, uma das cores da bandeira, esperam o candidato Ince, que falaria em um palco branco montado no centro de uma praia. Ao fundo à esquerda é possível ver o mar Mediterrâneo.
Opositores ao líder turco, Recep Tayyip Erdogan, participam de comício de seu adversário, Muharrem Ince, em Esmirna, no oeste do país - Emre Tazegul/AFP
Istambul

Os jornalistas turcos estão virando pinguins, sentencia Aydin Engin, 78, um dos principais colunistas de oposição do país. Com a metáfora, quer dizer que quase já não existe imprensa livre ali.

A expressão remonta às manifestações de 2013, quando multidões foram às ruas protestar contra Recep Tayyip Erdogan, que era o premiê turco e é hoje o presidente. Em vez de veicular aquelas imagens, canais de TV exibiram um documentário sobre pinguins.

Desde então, uma combinação de repressão, autocensura e monopólio desmontou a imprensa turca, de acordo com os seus críticos.

A oposição agora diz que, mesmo se não houver fraude nas eleições presidenciais e parlamentares de domingo (24), elas não terão sido justas: Erdogan e seu AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento), afinal, gozam do apoio da maior parte da mídia.

Dos 10 jornais mais lidos da Turquia, ao menos 7 pertencem a empresários filiados ao governo, diz a organização Media Ownership Monitor. Nem sempre a influência é direta: em alguns casos, a pressão vem também pelos empréstimos estatais.

Mais de 240 membros da imprensa foram detidos nos últimos anos, e quem está livre teme criticar o mandatário com trejeitos de sultão.

No ranking da organização Repórteres Sem Fronteiras sobre liberdade de imprensa, a Turquia está na 157ª posição entre 180 países (o Brasil está em 102° lugar).

O jornal Cumhuriyet, onde Engin escreve, é considerado um dos últimos refúgios independentes da imprensa local. Fundado em 1924, no início da república turca, é uma das referências do país.

"Somos os 3% que se sentem desconfortáveis com a situação", diz o colunista, que cobriu todas as eleições turcas desde os anos 1960, entre golpes militares, repressão e atentados.

Engin fica de pé ao lado de Unay, sentada em frente a um computador. Os dois estão em uma sala com uma mesa de madeira comprida. Ao fundo, um relógio de parede de borda preta e fundo branco e capas de jornal coladas na parede.
Aydin Engin, 78, colunista do jornal turco Cumhuriyet e Serpil Unay, diagramadora, durante diagramação do jornal. - Ian Cheibub/Folhapress

A circulação diária do jornal é de 40 mil exemplares —cada vez menos lidos, diz Engin, porque a população teme ser vista com o diário em público.

Os anunciantes também começaram a fugir, conta. "Estamos em uma situação muito difícil. Não damos aumento a ninguém há sete anos."

Não bastasse isso, às 6h de 31 de outubro de 2016, a polícia deteve 18 funcionários do jornal, entre eles Engin. Ele foi solto após cinco dias, mas seus colegas ficaram presos por quase 18 meses.

As detenções faziam parte de um processo mais amplo, após uma tentativa frustrada de golpe em julho de 2016. Ameaçado, o governo fechou o punho, e mais de 140 mil pessoas foram detidas.

A equipe do jornal está solta, mas o julgamento prossegue, com acusações de fomento ao terrorismo. A sentença final sai em um ano.

"Não é nada que não tenhamos visto em outros momentos da história turca", diz Engin. Ele próprio passou seis anos preso, somando várias detenções nas últimas décadas.

Pesquisas mostram que veículos de comunicação ligados a Erdogan estão entre os que têm menor credibilidade no país, mas o presidente continua firme rumo à reeleição.

Segundo uma sondagem de 13 de junho, em que 2.460 pessoas foram ouvidas, ele terá 44,5% dos votos. Seu rival, o social-democrata Murrahem Ince, deve receber 29%.

O recrudescimento do autoritarismo turco e o expurgo depois da tentativa de golpe não afetaram só a imprensa.

Dezenas de milhares de funcionários públicos foram exonerados, por exemplo, e militares e juízes foram removidos de seus postos. Líderes de organizações humanitárias, por sua vez, foram detidos devido à atividade no país.

É o caso de Taner Kiliç, presidente honorário do escritório turco da Anistia Internacional, importante entidade de defesa dos direitos humanos.

Kiliç foi detido em junho de 2017 e acusado de pertencer a uma organização terrorista, algo que nega. Ele compareceu a um julgamento nesta quinta-feira (21), e o juiz determinou que continue detido ao menos até novembro.

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