Internação como a de Trump pode levar jovem a ter problema emocional duradouro

Recuperação dessas crianças é possível, mas prazo depende de fatores como tempo na instituição

Criança hondurenha de dois anos chora após a mãe ser detida na fronteira dos EUA com o México
Criança hondurenha de dois anos chora após a mãe ser detida na fronteira dos EUA com o México - John Moore - 12.jun.2018/Getty Images
New York Times News Service

Alguns jovens se retraem totalmente, com o olhar vazio, os corpos frágeis, num isolamento que é um muro de resistência. Outros não conseguem ficar parados: vigilantes, hiperativos ou inseguros.

Alguns saltam compulsivamente no colo dos desconhecidos ou agarram suas pernas e se penduram à vida. Certas crianças, de alguma forma, superam a súbita separação de seus pais usando um poço de resiliência.

A política do governo Trump de separar crianças migrantes de seus pais alarmou os psicólogos da infância e especialistas no estudo do desenvolvimento humano. 

Não está claro por quanto tempo o governo americano pretende manter as 2.000 crianças em centros de detenção perto da fronteira nem quanto tempo levará para devolvê-las a suas famílias.

Mas os psicólogos já sabem muito sobre o que acontece com crianças mantidas em instituições ao longo do tempo, e nessa pesquisa há pistas dos potenciais danos emocionais que enfrentam as crianças migrantes separadas dos pais.

Várias organizações médicas, incluindo as que lidam com psicologia, psiquiatria e pediatria, divulgaram cartas de protesto, citando um maior risco de ansiedade e depressão nas crianças, assim como estresse pós-traumático e transtorno de déficit de atenção. 

“Experiências de vida traumáticas na infância, especialmente as que envolvem a perda de um cuidador, do pai ou da mãe, causam risco de doença cardiovascular e mental durante toda a vida”, escreveu a Associação Nacional de Enfermeiros Pediátricos. 

As consequências em longo prazo da separação e internação em instituições são difíceis de prever e dependem de muitos fatores, como a idade da criança na separação e o tempo afastada da família.

A privação demorada entre infância e idade escolar, por exemplo, aumenta o risco de problemas emocionais duradouros. 

O risco de consequências para a saúde mental também depende da instituição em si: a equipe de funcionários, a rotatividade, se as crianças sabem onde estão seus pais e por quanto tempo ficarão ali.

Muito depende de cada criança. A resiliência pode ser forjada em tais situações, por motivos que ninguém compreende. Mas o êxito está longe da norma para a criança interna.

As instituições (mesmo as melhores e mais humanas) por natureza distorcem as ligações que as crianças desejam, a troca visceral e concentrada de amor, duro ou não, que reconforta, apoia e molda o coração e a mente de uma criança. 

Em orfanatos e outros ambientes institucionais, “o índice de rotatividade dos cuidadores é alto, assim como o número de crianças por cuidador”, disse por email o professor de desenvolvimento humano Marinus van Ijzendoorn, da Universidade Erasmus em Roterdã (Holanda).

“Isso causa um cuidado impessoal, instável e fragmentado, o que não só impacta a ligação ou a regulação do estresse, como também parâmetros de crescimento físico, como altura, peso e circunferência da cabeça, e também o desenvolvimento cerebral.”

As crianças em instituições, continuou Van Ijzendoorn, “passam o tempo desejando o cuidado melhor e personalizado que só as famílias podem oferecer”. 

Quando essas crianças entram em lares provisórios ou são adotadas, seu desenvolvimento se acelera e muitas se equiparam aos pares em dois ou três anos, disse Ijzendoorn. 

Mas muito depende de quanto tempo elas foram mantidas internadas: uma estada mais demorada em uma idade maior exige um período mais longo de recuperação, afirmou ele.

“Muitos desses pais estão fugindo para salvar suas vidas”, escreveu a doutora Colleen Kraft, presidente da Academia Americana de Pediatria, em um comunicado público depois de uma recente viagem à fronteira. “Muitas dessas crianças não conhecem outro adulto além dos pais ou mães que as trouxeram até aqui.”

Até o estudo sobre privação parental é eticamente frágil.

Nos anos 1950, o psicólogo americano Harry Harlow tirou jovens macacos rhesus de suas mães e descobriu que os mais jovens se tornaram reclusos. 

Em um experimento, Harlow descobriu que eles rapidamente se ligavam a “mães de pano”, figuras inanimadas com um exterior macio. Essas tristes imagens ainda povoam a literatura psicológica.

No início deste século, pesquisadores americanos que trabalhavam com autoridades da Romênia descobriram que as crianças retiradas dos famosos orfanatos desse país para lares provisórios mais tarde tinham média de QI mais alta que um grupo de comparação de crianças deixadas nos orfanatos.

Talvez o mais influente de todos, para os psicólogos de crianças modernos, seja John Bowlby, cientista britânico cujos textos de meados do século 20 afirmam que os bebês são evolucionariamente preparados para formar ligações, não apenas para ter proteção, mas também para o desenvolvimento emocional e cognitivo.
 
A qualidade da ligação primária (geralmente ) a uma mãe —seja ela forte e amorosa, seja indecisa, seja ausente— ajuda a determinar a trajetória de vida de uma criança. 

A teoria da ligação de Bowlby informa muitas abordagens ao tratamento de crianças afastadas dos pais pelas circunstâncias ou, no caso da atual política do governo americano, por decisão alheia.

Kalina Brabeck, psicóloga no Rhode Island College que trabalha com crianças imigrantes que perderam os pais por causa de deportação ou outros motivos, disse que a experiência de perda muitas vezes leva à formação de estresse pós-traumático —a vigilância paralisante, anulação e surtos emocionais identificados primeiramente em veteranos de guerra. 

A maioria das crianças detidas na fronteira terá traumas acumulados, segundo Brabeck. Mesmo antes que seus pais fossem detidos, muitas já tinham passado pelos problemas da imigração em si, fugindo com poucos recursos de comunidades geralmente violentas.

Um objetivo do tratamento, segundo ela, é superar uma crise de identidade diária.

“Tentamos fazê-las contar uma história: quem elas são, onde nasceram, do que elas gostam, sua história de migração”, explicou. “Podemos fazer isso com fotos e desenhos, assim como palavras, percorrendo a situação de forma muito detalhada.” 

A terapia inclui aconselhamento de luto, explicou a psicóloga, e preparar a criança para enfrentar suposições inconscientes —por exemplo, que o mundo é inerentemente um lugar inseguro. 

“Também trabalhamos para conectá-las a outros apoios, como treinadores, professores e igrejas”, disse Brabeck. 

Apesar de todo o deslocamento, o estranhamento e o sofrimento de estar separadas à força de seus pais, muitas crianças conseguem se recuperar, segundo Mary Dozier, professora de desenvolvimento infantil na Universidade de Delaware.

“Nem todas —algumas nunca se recuperam”, disse ela. “Mas fiquei surpresa ao ver como as crianças podem se sair bem após a internação se depois tiverem cuidados responsáveis e afetuosos.”

“Quanto mais cedo elas saírem, melhor”, acrescentou. “O mais importante para essas crianças agora é o que faremos a seguir.”

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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