Descrição de chapéu The New York Times

Investigações sobre Odebrecht param no México antes de eleições

Escândalos respingam no presidente Enrique Peña Nieto; assessor nega irregularidades

Azam Ahmed
Cidade do México | The New York Times

O governo mexicano já tem provas suficientes para apresentar acusações criminais contra funcionários ligados a um dos maiores escândalos de corrupção na história latino-americana. Mas, segundo três pessoas com conhecimento direto do caso, está se recusando a fazê-lo por temer que as acusações possam prejudicar o partido governista antes das eleições presidenciais.

O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto (centro), recebe camisa do jogador Rafael Márquez na Cidade do México
O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto (centro), recebe camisa do jogador Rafael Márquez na Cidade do México - Pedro Pardo - 1º.jun.18/AFP

O escândalo envolve a construtora brasileira Odebrecht, que já admitiu ter pago quase US$ 800 milhões (cerca de R$ 3 bilhões) em subornos em toda a América Latina para fechar contratos com governos em uma dúzia de países. As consequências das investigações já afetaram quase todos os países das Américas onde a empresa operou, levando ao impeachment de presidentes, prisões de funcionários e turbulência política em países que vão do Peru ao Panamá.

Mas há duas exceções notáveis: a Venezuela, pária internacional governada por um governo autoritário, e o México, onde duas investigações federais separadas estão paradas.

Os processos criminais estão paralisados em um limbo legal comum em investigações politicamente delicadas no México, país onde a corrupção constitui um dos maiores obstáculos enfrentados pelo Estado de direito.

Os escândalos de corrupção atingem o governo do presidente Enrique Peña Nieto praticamente desde sua posse. Sua esposa comprou uma casa de luxo de uma construtora com contratos governamentais, por termos favoráveis. O fato assinalou o início da queda de popularidade do presidente.

Mais escândalos vieram à tona, incluindo o desaparecimento misterioso de 43 estudantes de pedagogia, o uso de software sofisticado de espionagem adquirido pelo governo para monitorar jornalistas e advogados de direitos humanos, e alegações de que altos funcionários teriam desviado verbas públicas para financiar campanhas eleitorais do partido.

A falta de avanços no processo da Odebrecht vem sendo um tópico espinhoso no México desde o final de 2016, quando a construtora admitiu às autoridades dos EUA, suíças e brasileiras, em um acordo de bilhões de dólares, ter desembolsado US$ 10,5 milhões (R$ 39 milhões) em subornos a funcionários mexicanos.

Uma das investigações mexicanas –aberta por um procurador especial e que gerou documentos examinados pelo “New York Times”— identificou como suspeito um assessor próximo a Peña Nieto. Mas a investigação ainda estava apenas começando quando o procurador foi afastado pelo governo, em outubro.

Desde então o caso avançou pouco. Segundo duas outras pessoas que examinaram os arquivos mais recentes sobre o caso, mesmo pedidos básicos de informações estão paralisados há meses.

Mas uma investigação mais forte no México aberta no início do ano passado pela Procuradoria Geral da República acumulou provas suficientes, meses atrás, para mover acusações criminais contra suspeitos, segundo três pessoas que analisaram o caso ou foram informadas sobre ele. Segundo essas pessoas, as pressões políticas foram grandes demais para permitir que o processo avançasse.

Os suspeitos trabalhavam para a empresa petrolífera nacional mexicana, a Petróleos Mexicanos, ou Pemex. Nos acordos que fechou com outros países, a Odebrecht admitiu ter pago milhões de dólares em subornos a funcionários da empresa mexicana. E o ex-procurador geral mexicano Raul Cervantes, que supervisionou o processo pessoalmente durante sua gestão, chegou a ir ao Brasil para discutir as provas reunidas pelas autoridades brasileiras.

Sua decisão de adotar um papel tão ativo no caso chamou a atenção de muitos dentro e fora da Procuradoria Geral. Algumas pessoas esperavam que isso fosse sinal de que o escândalo não seria ignorado. Outros temiam que, pelo fato de o Procurador Geral ser nomeado pelo presidente, sua independência pudesse ser comprometida.

A PGR não respondeu a reiterados pedidos de declarações sobre o caso.

Nada aconteceu no México, pelo menos não com funcionários mexicanos. O país emitiu uma sanção administrativa contra a Odebrecht, proibindo-a de operar no México pelos próximos anos.

Mas nenhum funcionário mexicano foi acusado criminalmente de receber propinas, e Cervantes, que deixou a PGR no ano passado, disse publicamente que a investigação fora concluída.

Desde então, seu sucessor, Alberto Eliás Beltrán, o contradisse, afirmando que o processo continua a correr, razão pela qual ele não pode revelar os detalhes do que foi apurado.

Na realidade o processo foi arquivado, segundo três pessoas com conhecimento do caso. Já sofrendo os efeitos de múltiplos escândalos de corrupção e da violência crescente em todo o país, o governista Partido Revolucionário Institucional não pode correr o risco de outro escândalo vir à tona antes das eleições presidenciais de julho, disseram.

Prejuízo ao PRI

Embora adiar ou paralisar os processos possa prejudicar a reputação do PRI, o cálculo faz sentido, dizem críticos: em última análise, a indignação suscitada por um acobertamento pode prejudicar o partido menos do que se mais corrupção for exposta em um julgamento.

“Este escândalo vai além de prejudicar a reputação do presidente, que já está abalada”, comentou Eduardo Bohórquez, um dos arquitetos do sistema nacional de combate à corrupção, consagrado na Constituição. “O fato de ninguém ser acusado neste caso está ligado ao futuro do partido.”

“Com outro escândalo como este, toda a máquina política e seu financiamento poderiam cair por terra”, ele disse. “Isso é algo que transcende simplesmente as eleições –diz respeito à sobrevivência do próprio partido.”

A investigação já confirmou em grande medida o que se sabe, segundo indivíduos que tiveram acesso aos arquivos: que milhões de dólares em subornos foram transferidos para contas em paraísos fiscais para garantir contratos de obras de infraestrutura. Parte dos contratos, dos pagamentos de subornos e das transferências reveladas pelo governo brasileiro e a mídia mexicana é corroborada nos arquivos do processo.

Mas os investigadores mexicanos não ampliaram sua investigação significativamente para buscar novos contratos ou pagamentos que as autoridades brasileiras possam ter deixado passar, segundo indivíduos informados sobre o caso.

Fachada da sede da Odebrecht na zona oeste de São Paulo
Fachada da sede da Odebrecht na zona oeste de São Paulo - Eduardo Anizelli - 18.dez.16/Folhapress

Desde que detalhes sobre o papel do México no escândalo da Odebrecht começaram a vazar, em 2016, as informações têm sido centradas sobre um dos principais assessores e aliados do presidente, Emilio Lozoya Austin. Lozoya integrou a equipe de campanha do presidente em 2012 e mais tarde, depois de Peña Nieto chegar ao poder, foi nomeado presidente da Pemex. Ele nega ter cometido qualquer irregularidade, e seus advogados dizem que não há provas concretas de que ele tenha recebido subornos.

Seu advogado, Javier Coello Trejo, nega terminantemente qualquer ato ilícito por parte de seu cliente, como este próprio vem fazendo desde que o escândalo primeiro veio à tona. Coello, que teve acesso ao principal arquivo do governo sobre o caso, disse que não há uma única prova concreta que vincule Lozoya ao dinheiro ou que corrobore os depoimentos de funcionários da Odebrecht.

“Esses relatos nada têm nenhuma ligação com meu cliente”, ele disse.

Tradução de Clara Allain

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