Nostalgia de autoritarismo está no ar, diz autora do livro 'Canção de Ninar'

Para Leïla Slimani, perda de liberdades e desconfiança na democracia despertam clamor por Estado-nação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Slimani usa blusa preta até o pescoço e aparece de frente para a câmera, retratada do busto para cima. Seu rosto é refletido em um espelho ao lado.
A escritora franco-marroquina Leïla Slimani, autora do livro "Canção de Ninar", participa do Fronteira do Pensamento desta quarta-feira (20) - Lionel Bonaventure - 11.jan.18/AFP
São Paulo

Não tem nada de doce a análise que a jornalista e escritora franco-marroquina Leïla Slimani, autora do romance best-seller "Canção de Ninar", faz da atual melodia do xadrez geopolítico global.

Para a autora, que faz conferência nesta quarta (20) em São Paulo como parte do ciclo Fronteiras do Pensamento (do qual a Folha é parceira), vivemos uma farsa, o começo de uma época em que as democracias esclarecidas, o humanismo e a solidariedade darão lugar à desrazão.

O tema do evento neste ano é justamente "O Mundo em Desacordo".

"A democracia deve sempre nos preocupar, nunca devemos considerá-la algo dado. Quando não fazemos isso, as coisas começam a derrapar", diz Slimani, que foi presa ao cobrir a Primavera Árabe, em 2011, e assinou recentemente um livro de não ficção sobre a exploração sexual no Marrocos.

Segundo ela, ao lado da perda das liberdades individuais diante de poderes sobre os quais não temos influência, nos quais não votamos (como Facebook e Google), a queda de confiança na democracia, na esteira de escândalos de corrupção, impulsiona um clamor pela volta da ideia de Estado-nação e alimenta uma nostalgia de autoritarismos.

"Achamos que a liberdade é um valor fundador, universal, mas não é assim para a maioria das pessoas. Elas estão dispostas a sacrificar a liberdade em prol de segurança, de dinheiro, de um teto, de comida", afirma a jornalista.

"É normal que seja assim, pois, no fundo, a liberdade é algo duro de carregar. Para ser livre, deve-se estar disposto a perder tudo, talvez até a vida. É difícil convencer as pessoas disso. O dia a dia da humanidade é mais de alienação que de liberdade."

E já que o presidente americano, Donald Trump, mostra-se cada vez menos interessado no papel de líder do dito "mundo livre", o que pode a Europa fazer para contrabalançar a guinada isolacionista da maior potência?

"Ora, os países do bloco não conseguem se entender sobre temas comuns, como imigração clandestina, e há vários partidos populistas ameaçando sair da UE. Não consigo imaginar uma resposta coesa, coletiva", lamenta ela.

"Há 15, 20 anos, quando entrei na Sciences Po [Instituto de Estudos Políticos de Paris], a Europa era algo que fazia sonhar: havia o euro, o [programa de intercâmbio] Erasmus, a promessa de uma aldeia planetária, de mais integração. Nunca imaginei que fosse assistir a essa ressurreição de termos do passado, como xenofobia, e ver que não aprendemos lições com a história. Podemos dizer que vamos enfrentar isso pela cultura, pelo diálogo, mas são só palavras", conclui.

Slimani volta ao Brasil no fim do mês que vem, desta vez como convidada da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

Fronteira do Pensamento

  • Quando 20.jun, 20h30
  • Onde Teatro Santander (av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2.041, São Paulo)
  • Informações fronteiras.com
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.