Violência ofusca política em eleição presidencial no México

Campanha de 2018 tem recorde de assassinatos de candidatos, e pacificação se impõe como desafio

Seis homens, dois do lado direito, três do lado esquerdo e um à frente, tiram o caixão de madeira escura da mala do carro. Eles são observamos por outras três pessoas.
Familiares de Fernando Ángeles, prefeito do município de Ocampo, no estado de Michoacán, e candidato pelo PRD, carregam seu caixão depois que ele foi assassinado na semana passada - Raúl Tinoco - 21.jun.18/AFP
Cidade do México

Em meados de 2017, Pamela Terán tinha acabado de se formar em medicina e voltado a sua cidade natal, Juchitán de Zaragoza, no estado de Oaxaca, determinada a se candidatar a um posto de vereadora pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional). Uma noite, saindo de um restaurante com seu pai e um amigo, os três foram assassinados.

Na semana passada, também em Oaxaca, a comitiva do candidato a deputado Emigdio López Avendaño, do partido Morena (Movimento de Regeneração Nacional), foi alvo de tiros quando viajava em campanha. Ele e cinco militantes da legenda morreram.

No começo de junho, Fernando Purón, candidato a deputado pelo PRI, foi outra vítima —e nem foi necessário armar uma emboscada numa estrada ou numa rua deserta. Ele levou um tiro na cabeça logo após descer do palco do auditório de uma faculdade, no estado de Coahuila.

Até agora, esta é a eleição mais sangrenta da história recente do México em termos de assassinatos políticos. Foram mortos 46 pré-candidatos e candidatos a cargos locais e parlamentares das eleições do próximo domingo (1º).

O pleito elege o próximo presidente, mas também 128 senadores e 500 deputados, além de mais de 2.000 prefeitos e os vereadores para as câmaras municipais.

Aos pré-candidatos e candidatos mortos, somam-se 122 prefeitos, vereadores e ex-prefeitos nos últimos 12 meses. Na eleição passada, em 2012, houve apenas 1 candidato morto.

"Trata-se de uma demonstração de como o crime organizado e a política regional estão ampliando suas ações em conjunto, sobretudo nos estados mais pobres. Os cartéis hoje não só financiam campanhas como eliminam opositores e obstáculos para que aumentem suas operações, com a ajuda das autoridades locais", diz o analista político Alejandro Hope.

"Estas ações incluem extorsão, roubo de gasolina e contrabando em geral."

Os estados mais atingidos são os do empobrecido sul do país (Oaxaca, Guerrero, Chiapas) e Michoacán, que, apesar de estar mais ao centro e próximo à Cidade do México, é um dos mais conflituosos.

Até agora, não houve nenhuma acusação formal ou prisão relacionada a essas mortes.

Assim como na onda de assassinatos de jornalistas, que soma 40 mortos no sexênio de Enrique Peña Nieto (4 neste ano), a impunidade persiste.

No geral, o país não tem do que se orgulhar: o número de assassinatos é o maior da história: 29.168 casos no ano passado, sendo 671 de mulheres, segundo o Secretariado Executivo do Sistema Nacional de Segurança Pública. A cifra supera os 22,9 mil mortos em 2016, que por sua vez passaram os 18,7 mil de 2015.

O México fechou 2017 com 20,5 mortos para cada 100 mil habitantes, segundo dados oficiais (ou no patamar de 33/100 mil na conta de ONGs —o índice do Brasil paira em torno dos 30/100 mil). Mas o número camufla a discrepância entre estados, já que em alguns os assassinatos superam os 90/100 mil.

Esse cenário expõe outra promessa não cumprida por Enrique Peña Nieto. Na campanha de 2012, ele sinalizara que mudaria o rumo da "guerra ao narcotráfico" iniciada pelo antecessor, Felipe Calderón (2006-12), que acabou por elevar a cifra de mortos.

Ao promover ataques do Exército aos cartéis, a "guerra ao narcotráfico" estimulou disputas entre as organizações, que avançaram a partir dali contra a população civil, não apenas por meio de assassinatos, mas também com extorsões, sequestros e roubos.

Estimativas de entidades de direitos humanos indicam que a iniciativa de Calderón resultou em mais de 60 mil mortes e 100 mil desaparecidos.

Em reação, muitas comunidades formaram patrulhas conhecidas como "autodefensas", que hoje dominam grandes áreas de alguns estados, como Michoacán e Guerrero.

A pacificação do país será um dos desafios mais árduos do próximo presidente eleito.

Candidatos fazem propostas vagas para segurança pública

Na campanha para a eleição presidencial deste domingo (1º) no México, os três principais candidatos não propuseram políticas claras para melhorar a segurança ou reduzir o alto índice de homicídios.

O líder das pesquisas, Andrés Manuel López Obrador (49,6%), e o centrista Ricardo Anaya (27%), o segundo, aventaram a possibilidade de levar adiante o debate sobre legalização das drogas, algo inédito se comparado às campanhas eleitorais recentes. Já José Antonio Meade (20%), do PRI, evita o tema nos comícios.

López Obrador foi quem fez a proposta mais polêmica, mas, assim como em outras ocasiões, voltou atrás. Sua ideia era oferecer anistia a membros de baixo escalão dos cartéis da droga. As críticas vieram de todos os lados.

Hoje, defende não estimular mais o confronto com o crime organizado e investir em programas de educação e emprego para jovens. "Não vamos só usar a força, vamos explorar outras vias para atingir a paz. Eu não descarto nada, nem mesmo a legalização", disse, em discurso recente.

Também prometeu reformar o sistema penitenciário e estimular programas de reinserção na sociedade para quem cumpriu pena. O esquerdista acha o sistema de inteligência mexicano muito burocrático e pouco eficiente --promete modernizá-lo.

Já Anaya é evasivo nas propostas, mas afirma que uma reforma no sistema de segurança nacional passa por melhorar as instituições do país e por tornar a Justiça totalmente independente, oferecendo condições para que todas atuem sem a pressão dos narcotraficantes —em alguns estados, segundo dados do governo, a impunidade é de mais de 90%.

Outras promessas são mais agilidade na Justiça e a melhor capacitação de policiais, além de investimento em tecnologia para rastrear o financiamento a grupos criminosos.

Meade, o terceiro colocado, tem telhado de vidro: integrou o governo que deu início à "guerra ao narcotráfico", de Felipe Calderón, e o de Enrique Peña Nieto, com recorde anual de homicídios.

Seu plano inclui controlar o tráfico de armas, aumentar o salário dos policiais, reforçar a prevenção com uso de inteligência e criar uma base de dados sobre criminosos.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado anteriormente, a taxa de homicídios no México em 2017 foi de 20,5 a cada 100 mil habitantes, não 25,3/100 mil.

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