Escavamos para tentar escapar, dizem meninos de caverna na Tailândia

Após alta, grupo deu entrevista na qual pediu desculpa aos pais e narrou fome à espera de resgate

Os 12 meninos e o técnico dos Javalis Selvagens com duas das médicas que cuidaram do grupo participam da entrevista coletiva em Chiang Rai
Os 12 meninos, o técnico dos Javalis Selvagens e duas das médicas que cuidaram do grupo participam da entrevista coletiva em Chiang Rai - Lilian Suwanrumpha/AFP
Chiang Rai (Tailândia) | AFP

Sorrindo e vestindo a camiseta dos Javalis Selvagens, os 12 meninos e seu técnico de futebol revelaram detalhes sobre os 18 dias que passaram presos em uma caverna na Tailândia, em sua primeira fala após o resgate. 

A entrevista coletiva realizada nesta quarta-feira (18) em Chiang Rai foi feita logo após o grupo receber alta em do hospital onde estavam desde o resgate que terminou no dia 10. Antes de o grupo falar, um médico disse que os garotos estão recuperados tanto fisicamente quanto psicologicamente e prontos para "ter uma vida normal".

Cada um dos adolescentes e seu treinador se apresentaram à imprensa e agradeceram a equipe de resgate e os médicos. O técnico, ​Ekapol Chanthawong, respondeu à maioria das perguntas, que foram enviadas com antecedência para que os médicos pudessem vetar questões que considerassem delicadas do ponto de vista psicológico em um caso de tensão pós-traumática.  

Ele contou que o grupo tentou achar um modo de deixar o local após ficar retido dentro da caverna alagada. "Nós escavávamos buracos para tentar achar um modo de escapar e parávamos quando ficávamos cansados. Bebíamos água para encher a barriga", disse ele. O buraco, segundo um dos meninos, chegou a cerca de quatro metros de profundidade.

Ekapol explicou como foi o dia a dia dentro da caverna e disse que o grupo jogava dama para passar o tempo. Ele revelou que o humor da equipe era animado e tranquilo após a chegada do resgate, mas que antes disso todos estavam muito tensos.

Os Javalis Selvagens se perderam no dia 23 de junho e só foram encontrados no dia 2 de julho. O resgate demorou outros seis dias para começar, e apenas no dia 10 os últimos resgatados deixaram o local.

Adul Sam-on, 14que se tornou o porta-voz informal dos meninos enquanto estavam presos por ser o que melhor fala inglês no grupo, contou como foi a conversa com a dupla de mergulhadores britânicos que os encontraram no dia 2. "Foi mágico. Tive que pensar muito antes de responder as questões deles", disse ele. "Todo mundo estava muito feliz, foi o momento mais esperançoso em dez dias", afirmou.  

O técnico afirmou que a ideia de entrar na caverna foi tomada coletivamente e que eles nunca tinham visitado o local —diferentemente do que fora divulgado por outras fontes. O plano, segundo ele, era passar cerca de uma hora no passeio e depois voltar para casa.

Por isso, não levaram comida e muitos nem mesmo avisaram os familiares de onde estariam. Anteriormente, mergulhadores e autoridades que participaram do resgate haviam dito que o grupo levara comida porque comemoraria, com o passeio, o aniversário de um dos integrantes.

Todos os garotos pediram desculpas aos pais durante a entrevista.

Dentro da caverna, o grupo andou em fila, com todos segurando uma corda. Em determinado momento o menino que ia à frente puxou a corda duas vezes para avisar que o caminho estava interrompido. Quando tentaram retornar, porém, perceberam que o caminho por onde tinham entrado estava alagado.

“Nós vimos que tinha água descendo das pedras", disse Ekapol. Ele contou que todos no grupo sabiam nadar —durante o resgate, foi informado que parte deles não sabia— mas que isso não seria suficiente para saírem do local. 

Ekapol disse que nesse momento um dos meninos perguntou se eles estavam perdidos, mas ele disse que não. Outro dos meninos afirmou ter pensado na mãe quando percebeu que estavam presos no local. 

Chanin Vibulrungruang, 11, o mais novo dos garotos, disse que evitava pensar em comida, em especial em arroz frito, quando estava com fome. Os médicos afirmaram que eles já estão liberados para comerem normalmente, mas que ainda devem evitar pratos muito apimentados (a cozinha tailandesa usa pimenta em grandes quantidades). 

O apresentador contou ainda que o grupo assistiu ao vivo a final da Copa do Mundo no hospital e que a maioria torceu pela França, a seleção campeã. Os Javalis Selvagens foram convidados pela Fifa para comparecer ao jogo em Moscou no domingo (15), mas não receberam luz verde dos médicos para a viagem. 

Todos os 13 integrantes do time participaram da entrevista coletiva, assim como parte da equipe que cuidou deles no hospital, além do médico e dos três fuzileiros navais que ficaram com eles dentro da caverna. Os mergulhadores militares, porém, usaram óculos escuros e não tiveram o nome divulgado para preservarem o sigilo de identidade. 

Questionados pelo moderador da entrevista, quatro meninos afirmaram que querem ser fuzileiros no futuro. Muitos também disseram que sonham em ser jogadores profissionais de futebol. A Tailândia tem seleção de futebol, mas nunca participou de uma Copa do Mundo.

Os meninos entraram no local da entrevista fazendo embaixadinhas, e um vídeo que mostrava eles abraçando a equipe de médicos antes de receberem alta foi exibido.

O médico que ficou com o grupo dentro da caverna relatou que todos estavam em um estado físico semelhante no momento do resgate e por isso a decisão de quem sairia primeiro foi tomada pelos próprios garotos, que se voluntariaram levantando as mãos.  

Eles lembraram ainda do mergulhador Samarn Kunan, 38, que morreu durante os preparativos para o resgate. Foi exibida uma imagem de Kunan e mensagens em sua homenagem foram lidas.

Como forma de agradecer ao mergulhador, os meninos serão ordenados monges noviços, segundo o técnico de futebol. Apenas um deles, que é cristão, não será ordenado. 

A ordenação é bastante comum na Tailândia, país onde 90% da população se declara budista e os monges gozam de status especial. A maioria dos homens na Tailândia em algum momento da vida se torna monges, normalmente por um período que pode variar entre uma semana, três meses ou seis meses.

Acredita-se que o bom carma da vida monástica se estenderá aos pais do moço e por isso normalmente é feito antes do casamento. Há pressão das famílias, mas alguns também procuraram a vida monástica em busca de orientação ou iluminação espiritual.

Muitos são ordenados para ter "mérito" -- o estudo dos ensinamentos do Buda é considerado um ato sagrado e que rende à pessoa muitos "méritos".

Os médicos e as autoridades afirmaram que fizeram a entrevista coletiva antes de os meninos seguirem para casa, devido ao enorme interesse provocado pela história e pediram que eles não sejam procurados no futuro.

"O motivo de se realizar uma entrevista coletiva esta noite [manhã de quarta no Brasil] é que os meios de comunicação têm muitas perguntas e depois [os meninos] poderão voltar para sua vida normal, sem o assédio dos jornalistas", disse à AFP o porta-voz do governo tailandês, Sunsern Kaewkumnerd.

Os especialistas advertem, contudo, que os jogadores dos Javalis Selvagens e seu treinador poderão sofrer transtornos no longo prazo devido à intensa experiência vivida na caverna de Tham Luang, no norte do país.

Os médicos avisaram às famílias dos meninos, que têm entre 11 e 16 anos, que devem evitar falar com jornalistas durante ao menos um mês após o retorno para casa.

A recomendação talvez seja difícil de se cumprir, porém, diante do interesse suscitado pela história dos garotos, inclusive de Hollywood.

Autoridades afirmaram que jornalistas deverão informar o governo caso queiram falar com um dos meninos ou com o técnico. 

Após nove dias sem comida e sem água potável, o grupo desaparecido foi localizado por mergulhadores britânicos a vários quilômetros da entrada da caverna inundada.

Os socorristas estudaram a melhor forma de tirá-los da gruta e optaram por uma operação arriscada que implicava guiar os meninos por passagens inundadas em macas. Eles foram levemente sedados para evitar que entrassem em pânico.

A operação de resgate dos Javalis Selvagens cativou o planeta e terminou em completo sucesso no dia 10 de julho.

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