Descrição de chapéu The Washington Post Governo Trump

Cidade no Texas se sente como saco de pancadas no debate sobre migração

McAllen, na fronteira com o México, ganhou destaque por centro de detenção que mais parece canil

Moradores de McAllen, Texas, fazem greve de fome para protestar contra separação de famílias de imigrantes
Moradores de McAllen, Texas, fazem greve de fome para protestar contra separação de famílias de imigrantes - Carolyn Van Houten - 3.jun.2018/The Washington Post
Kevin Sullivan
McAllen (Texas)

O Maria’s Restaurante oferece Pollo en Mole (frango com molho poblano) por US$ 8,25 (R$ 32 pela cotação atual), e M&Ms de amendoim patrióticos, em vermelho, azul e branco, em uma máquina de venda automática perto da porta, por US$ 0,25 (R$ 1)
.
O cardápio nesse restaurante familiar em McAllen, no Texas, a cerca de 11 quilômetros da fronteira entre os Estados Unidos e o México, é um reflexo da comunidade integrada que ele serve há 41 anos. 

Mas agora a cidade construída pela imigração se tornou o ponto focal de uma das mais brutais batalhas políticas do furioso verão de 2018.

“Existe uma cultura da fronteira e por isso essas pessoas não são monstros para nós”, disse Carolina Garza, 31, americana de ascendência mexicana cuja família dirige o Maria’s.

Ela estava falando sobre as massas de imigrantes centro-americanos que estão cruzando a fronteira sul dos Estados Unidos aos milhares neste verão, em busca de asilo, trabalho e proteção contra a violência de seus países de origem.

McAllen abriga uma grande instalação do Serviço Alfandegário e de Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, na qual famílias que cruzam a fronteira ilegalmente foram separadas e suas crianças se viram alojadas forçosamente sob a política de tolerância zero adotada pelo governo Donald Trump. 

O centro de detenção das crianças é conhecido como “o canil”, porque seus espaços são divididos por grades metálicas flexíveis.

A separação de 2.400 crianças e seus pais gerou protestos em todo o país e cobertura noticiosa em todo o mundo. 

McAllen subitamente ganhou fama mundial por algo sobre o que não tem controle e que os moradores dizem que conflita com a natureza bicultural da cidade.

Centenas de ativistas, advogados, manifestantes, líderes religiosos, jornalistas, um pesado contingente de policiais federais e até mesmo unidades da Guarda Nacional acorreram nas últimas semanas à cidade e ao restante do vale do rio Grande (região do sul do Texas).

A polícia é vista como indesejada e injusta nessa cidade de fronteira de 142 mil habitantes com população 90% hispânica e integralmente bilíngue, como mostram as placas à beira das rodovias que dizem “no dumping basura” [não jogue lixo, em uma mistura de inglês e espanhol].

“Muita gente quer culpar McAllen pelo que está acontecendo”, disse Garza. “Isso é meio repulsivo, para ser honesta.”

Enquanto McAllen se preparava para sua imensa festa de 4 de julho, o dia de independência dos Estados Unidos, com uma parada e queima de fogos de artifício, a cidade parecia estar se sentindo como uma espécie de saco de pancadas, no furioso debate nacional sobre a imigração.

O prefeito Jim Darling, que tem bandeiras do México e dos Estados Unidos em seu gabinete no centro da cidade, disse que McAllen vem sofrendo por causa de algumas das declarações e políticas de Trump.

“Escrevi ao presidente e disse que também somos americanos e que parte da sua retórica fere os americanos”, ele afirmou. “Somos uma cidade americana que fala espanhol.”

Darling disse que embora McAllen costume ser retratada como “uma cidadezinha de fronteira empoeirada”, na verdade ela é um polo industrial vibrante, estreitamente conectado a fábricas do outro lado da fronteira, em Reynosa, uma cidade industrial mexicana com mais de 600 mil habitantes.

Ele disse que McAllen gasta mais de US$ 1 milhão (cerca de R$ 4 milhões) ao ano buscando atrair empresas de Japão, Coreia do Sul e outros países, principalmente para que invistam em fábricas no México. 

Muitos dos engenheiros, executivos e outros administradores que trabalham nessas fábricas vivem em McAllen.

Ele disse que a cidade recebe 18 milhões de visitantes ao ano, 40% dos quais vindos do México. Há décadas, o shopping center La Plaza se tornou destino comum de visitantes mexicanos, que obtêm um cartão americano de fronteira  que permite que entrem no Texas, desde que fiquem a um máximo de 40 quilômetros da fronteira.

McAllen arrecada mais impostos sobre vendas per capita do que qualquer outra cidade texana —cerca de US$ 60 milhões no ano passado, o que representa arrecadação superior à do imposto predial, segundo Darling. E cerca de um quinto desse dinheiro vem do La Plaza.

Nos últimos anos, essa fonte de receita municipal foi prejudicada pela violência crescente no México, pela queda do peso mexicano e pela retórica hostil ao México empregada por Trump.

Trump enraiveceu tanto alguns mexicanos, no ano passado, que eles iniciaram uma campanha #AdiosMcAllen na mídia social, instando os consumidores mexicanos a boicotar a cidade. 

Darling viajou a Monterrey (cidade no noroeste do México) para reassegurar os mexicanos de que continuam bem-vindos em sua cidade. 

Ele disse que a prefeitura gastou US$ 300 mil (R$ 1,2 milhão) em uma campanha publicitária com o tema “Amigos Always [amigos sempre]”, a fim de reparar o estrago.

“Meu rosto continua a ser visto em outdoors em Monterrey”, ele disse.

Agora, a questão da separação das famílias está criando novos problemas de imagem para McAllen. 

A cidade passou por desgaste semelhante em outros momentos do passado, como em 2014, quando uma imensa onda de crianças desacompanhadas vindas da América Central terminou encaminhada a McAllen para processamento pelas autoridades.

Mas a disputa atual é a mais intensa de que as pessoas se recordam. O vale do rio Grande é o setor mais movimentado para as operações da Patrulha de Fronteira americana, respondendo por 40% das apreensões de pessoas que tentam atravessar a fronteira ilegalmente, ao longo de todos os 3.200 quilômetros de fronteira entre os dois países. 

Os imigrantes usam o vale como ponto de entrada para cidades espalhadas pelos Estados Unidos, mas poucos ficam em McAllen.

“Existe alguma impressão no mundo de que pessoas estão loucas para vir a McAllen, mas não é esse o caso”, disse Victor Rodriguez, o chefe de polícia da cidade. “Ela é um ponto de travessia, mas os destinos finais ficam em outras partes do país.”

Ele disse que o crime está em seu ponto mais baixo na cidade em 33 anos e que não houve casos de homicídio neste ano. Rodriguez disse que a violência associada às drogas cresceu em certas partes do México, mas acrescentou que isso não afetou McAllen.

Mas a raiva quanto à separação de famílias ordenada por Trump continua ardente no Archer Park, um oásis gramado no centro de McAllen. 

Ao meio-dia da segunda-feira, à sombra do coreto onde trabalhadores da prefeitura estavam preparando a festa de 4 de julho, uma dúzia de pessoas estavam reunidas diante de fotos de Robert Kennedy (irmão de John Kennedy e senador, morto em 1968 quando era pré-candidato à Presidência dos EUA) e César Chávez (histórico sindicalista americano). Eram parte de uma greve de fome organizada em protesto pela Lupe, a organização fundada por Chávez.

“Estamos perto de celebrar nosso dia de independência e liberdade, mas continuamos a encarcerar crianças pequenas e pessoas que só vieram para cá em busca de trabalho”, disse Marco Antonio Lopez, 31, que iniciou seu jejum de 24 horas na segunda-feira (2).

Lopez cresceu no vale do rio Grande, como filho de imigrantes, e se naturalizou cidadão dos Estados Unidos aos 20 anos. Ele disse jamais ter visto tantos policiais em McAllen, que se sente um forasteiro e que a situação o incomoda.

“É realmente estranho”, disse, “Não somos assim. As pessoas precisam acordar.”

No Maria’s Restaurant, a freguesia do café da manhã chega logo que as portas se abrem, às 7h, como aconteceu na terça-feira (3). Famílias com filhos pequenos, casais mais velhos, e trabalhadores com camisas sociais se acomodam às mesas cercadas por paredes pintadas de amarelo, laranja, azul e verde brilhantes.

Michael Mata, 44, e sua mulher, Adriana Mulato, 43, se acomodam e pedem seu café na mistura usual de inglês e espanhol que se ouve na cidade.

“Quero um ovo, gema dura, sin tortillas”, pediu Mata, que trabalha como policial em Pharr, uma cidade vizinha.

“Tienes bisquetes?”, perguntou Mulato, garçonete nascida no México que agora vive com seu marido em McAllen.

Mata diz que seu departamento treina os policiais em “atendimento ao cliente” e requer que passem por aulas sobre diversidade cultural, para manter suas licenças.

“Não me incomodo com pessoas que vêm para cá em busca de uma vida melhor”, disse Mata. “Todo mundo tem direito a paz de espírito.”

Ele disse que costumava tomar café da manhã quase todos os dias com um amigo, um médico de Oklahoma, aposentado, que é grande partidário de Trump e apareceu com um boné com o lema de campanha de Trump, “Make America Great Again”, para o café, na semana passada.

“As pessoas têm opiniões diferentes sobre o atual governo”, ele disse, rindo. “Mas tratamos a todos com respeito.”

Do outro lado do restaurante, um homem de 76 anos estava lendo um jornal em espanhol.

“Há um sentimento geral de tensão e apreensão por aqui, por causa das ameaças e das políticas que Trump dita”, ele afirmou.

O homem declarou que é residente legal permanente dos Estados Unidos e se recusou a revelar seu nome porque teme reações negativas da parte das autoridades. 

Ele disse ter lido reportagens sobre agentes da Patrulha de Fronteira que interrogaram pessoas simplesmente por  terem ouvido elas falando espanhol, em outras partes do país.

“Isso causa desânimo e cautela”, ele disse. “As pessoas agora são muito mais cuidadosas.”

 
Tradução de Paulo Migliacci

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